Solenidade de Cristo Rei

Solenidade de Cristo Rei
Material para catequese
Material para catequese

Estamos no 34º Domingo do Tempo Comum, último do Ano Litúrgico do ciclo C. Neste domingo celebramos a solenidade de Cristo Rei e Senhor do Universo, rei que deve reinar nos corações, nos relacionamentos e que exerce seu reinado não de um lugar de poder, mas de um lugar de contradição e redenção: A Cruz.

O domingo de Cristo Rei é também o dia do Leigo, onde rezamos refletimos por essa presença tão rica e eficaz da presença da Igreja no mundo. Quando atribuímos o adjetivo Leigo aos fiéis cristãos, não atribuímos este termo no sentido que comumente se tem utilizado, como o de pessoa que tem limitado conhecimento sobre alguma temática. O termo Leigo, que está na base da consideração deste domingo refere-se aos cristãos que não exercem sua missão com uma vocação de especial consagração, como são os sacerdotes e os religiosos.  É pela ação dos leigos no meio do mundo que o reinado de Cristo deve se consolidar. O leigo cristão age com o fermento no meio da massa, como nos recordam os Evangelhos, sal da terra e luz do mundo, sendo permanentemente testemunhas de Jesus Cristo, sendo presença Cristã em meio a essa sociedade que precisa de valores para orientar suas vidas. No mês de agosto, mês das vocações, já dedicamos um dos dias à figura e à missão do leigo em meio à sociedade. Mas a celebração do dia do leigo logo na solenidade de Cristo Rei quer destacar a vinculação existente entre a propagação do Reino de Deus e a vocação do leigo, que contribui para a instauração do Reino de Deus por meio do testemunho nas realidades cotidianas.

Aqui no Brasil, iniciamos também a campanha para a Evangelização, que é realizada desde o domingo de Cristo Rei até o terceiro domingo do advento. O tema da campanha para a Evangelização deste ano é Lc 10, 35: Cuida dele; e tendo como subtema de cada domingo: eu cuido do Anúncio da Palavra, eu cuido dos Pobres, eu cuido da Comunidade. Para isso, somos chamados a evangelizar e contribuir para a Evangelização.

A Solenidade de Cristo Rei foi instituída em 1925 pelo Papa Pio XI, com a qual coincidiu o 16º centenário do Concílio de Nicéia, que proclamara a divindade do Filho de Deus; este Concílio inseriu também em sua fórmula de fé as palavras: “cujo reino não terá fim”, afirmando assim a dignidade real de Cristo.

Quando nós, cristãos, confessamos que Cristo é Rei, de que reinado estamos falando? A que Reino estamos nos referindo? Nós realmente acreditamos com todo o coração e confessamos com toda convicção que Jesus Cristo – e só ele! – é Rei? Rei do universo, Rei da história, Rei da humanidade, Rei da vida de cada criatura humana, cristã ou não-cristã. Ele é Rei porque é Deus feito homem; é, como diz a Escritura, aquele “através de quem e para quem todas as coisas foram criadas, no Céu e na Terra… Tudo foi criado através dele e para ele… Ele é o Primogênito dentre os mortos”. (Cl 1,15-18).

Jesus veio ao mundo para buscar e salvar o que estava perdido; veio em busca dos homens dispersos e afastados de Deus pelo pecado. E como estavam feridos e doentes, curou-os as feridas. Tanto os amou que deu a vida por eles. Como Rei, vem para revelar o amor de Deus, para ser o Mediador da Nova Aliança, o Redentor do homem. No Prefácio da Missa fala-se de Jesus, que ofereceu ao Pai “um reino de verdade e de vida, de santidade e de graça, de justiça, de amor e de paz”.

A Liturgia de hoje coloca como Antífona de Entrada do Missal Romano uma frase do Apocalipse, que é surpreendente: “O Cordeiro que foi imolado é digno de receber o poder, a divindade, a sabedoria, a força e a honra. A ele a glória e poder através dos séculos”! (cf. Ap 5,12; 1,6). Frase surpreendente, sim! Quem é Aquele que proclamamos Rei? O Cordeiro; e Cordeiro imolado. Cordeiro evoca mansidão, paz, fragilidade. Nosso Rei é o Cordeiro que foi esmagado na cruz, Aquele que foi imolado pelo Pecado do mundo. O mundo passou e passa por cima do nosso Rei, refuta seu Evangelho, desdenha de sua Palavra, ridiculariza seus preceitos, calunia sua Igreja. Esse Rei é Aquele que foi crucificado, que foi derrotado e terminou sozinho; é o Homem de dores, prenunciado por Isaías. No Evangelho escutamos que zombaram e zombam dele: “A outros ele salvou. Salve-se a si mesmo, se de fato é o Cristo de Deus, o Escolhido! Tu não és o Cristo? Salva-te a ti mesmo e a nós”! (Lc 23,35.39).

Contudo, Jesus não é Rei nos moldes dos reis da Terra. O reinado de Cristo somente pode ser compreendido a partir da lógica do próprio Cristo: “O Filho do Homem não veio para ser servido, mas para servir e dar a vida em resgate por muitos”. (Mc 10,45). Eis o modo que Cristo tem de reinar: servindo, dando vida e entregando a própria vida. Tão diferente dos reis da Terra, dos políticos e líderes de ontem e de hoje: “Sabeis que aqueles que vemos governar as nações as dominam, e os seus grandes as tiranizam. Entre vós não será assim…” (Mc 10,42s).

Cristo é Rei porque se fez solidário conosco ao fazer-se um de nós; é Rei porque tomou nossa vida sobre seus ombros; é Rei porque passou entre nós servindo, até o maior serviço: entregar-se totalmente na cruz!

Que procuremos propagar o estabelecimento do Reino de Deus.

Na Palavra de Deus proclamada neste domingo, todos os fatos vão convergir para esse reinado, que não é um reinado de opulência e poderio como os reis deste mundo, mas é um reinado de serviço e entrega pelo bem do outro. O Evangelho que será proclamado neste domingo (Lc 23, 35-43), fala exatamente da Cruz:

Naquele tempo: Os chefes zombavam de Jesus dizendo: ‘A outros ele salvou. Salve-se a si mesmo, se, de fato, é o Cristo de Deus, o Escolhido!’ Os soldados também caçoavam dele; aproximavam-se, ofereciam-lhe vinagre, e diziam: ‘Se és o rei dos judeus, salva-te a ti mesmo!’ Acima dele havia um letreiro:’Este é o Rei dos Judeus.’ Um dos malfeitores crucificados o insultava, dizendo: ‘Tu não és o Cristo? Salva-te a ti mesmo e a nós!’ Mas o outro o repreendeu, dizendo: ‘Nem sequer temes a Deus, tu que sofres a mesma condenação? Para nós, é justo, porque estamos recebendo o que merecemos; mas ele não fez nada de mal.’ E acrescentou: ‘Jesus, lembra-te de mim, quando entrares no teu reinado.’ Jesus lhe respondeu: ‘Em verdade eu te digo: ainda hoje estarás comigo no Paraíso.’

Cristo reina da cruz, onde contemplamos a entrega de sua vida e segue vivo no meio de nós, e permanece com sua acolhida misericordiosa até nos últimos momentos de nossa existência, como aconteceu com o ladrão citado no Evangelho: ‘Jesus, lembra-te de mim, quando entrares no teu reinado.’ Jesus lhe respondeu: ‘Em verdade eu te digo: ainda hoje estarás comigo no Paraíso.’

O chamado “bom ladrão” teve coragem de expressar nitidamente o desejo do seu coração: “Jesus, lembra-te de mim quando tiveres entrado no teu Reino”! (cf. Lc 23,42). Não devemos temer as revoltas humanas contra Deus. Temos a esperança de que, um dia, essas pessoas possam dizer como esse pecador que, como era um bom ladrão, soube “roubar” o céu nos últimos minutos de vida. Tenhamos por certo: a verdade de Cristo é o que todos os homens e mulheres desejam, sabendo ou não.

A Carta de S. Paulo aos Colossenses (Cl 1,12-20) apresentada na segunda leitura, vai falando exatamente sobre isso: Irmãos:

Com alegria dai graças ao Pai, que vos tornou capazes de participar da luz, que é a herança dos santos. Ele nos libertou do poder das trevas e nos recebeu no reino de seu Filho amado, por quem temos a redenção, o perdão dos pecados por quem temos a redenção, o perdão dos pecados. Ele é a imagem do Deus invisível, o primogênito de toda a criação, pois por causa dele foram criadas todas as coisas no céu e na terra, as visíveis e as invisíveis, tronos e dominações, soberanias e poderes. Tudo foi criado por meio dele e para ele. Ele existe antes de todas as coisas e todas têm nele a sua consistência. Ele é a Cabeça do corpo, isto é, da Igreja. Ele é o Princípio, o Primogênito dentre os mortos; de sorte que em tudo ele tem a primazia, porque Deus quis habitar nele com toda a sua plenitude e por ele reconciliar consigo todos os seres, os que estão na terra e no céu, realizando a paz pelo sangue da sua cruz.

São Paulo explicita aqui a realidade do reinado de Deus que foi apresentado na primeira leitura, colocando a centralidade de Cristo, origem e fim de todas as coisas. Celebramos o mistério de todas as coisas que subsistem nele. Falamos de um reino e de um reinado de justiça, de paz e de fraternidade, de entrega da própria vida para que a vida aconteça cada vez mais.

Já o Antigo Testamento (2Sm 5,1-3) nos apresentava a promessa de que de um descendente de Davi viria o depositário da promessa, aquele que garantiria um reinado eterno:

Naqueles dias: Todas as tribos de Israel vieram encontrar-se com Davi em Hebron e disseram-lhe: Aqui estamos. Somos teus ossos e tua carne. Tempo atrás, quando Saul era nosso rei, eras tu que dirigias os negócios de Israel. E o Senhor te disse: Tu apascentarás o meu povo Israel e serás o seu chefe’. Vieram, pois, todos os anciãos de Israel até ao rei em Hebron. O rei Davi fez com eles uma aliança em Hebron, na presença do Senhor, e eles o ungiram rei de Israel.

Embora narrada de maneira bastante simples, a consagração de Davi como Rei apresenta grandes características para a história da salvação: a Imagem de Davi, apresentado como Pastor, vem resumir a função do dirigente que não busca tirar proveito próprio nas atividades de governo, mas o bem-estar dos seus súditos.

Davi é figura de Cristo em muitos aspectos, mas a raiz de tudo é a sua condição de Rei. Jesus será também aclamado Rei de Israel. O estabelecimento de um rei político já era um anúncio daquele Rei que traria um reinado que duraria eternamente, sendo descendente pela carne de Davi.

A Liturgia então vem nos perguntar, ao final deste ano Litúrgico, se Cristo realmente reina sobre nós. Para que o reinado de Cristo se estabeleça, a missão dos fiéis é fundamental e deve ser permanente. A realidade do estado permanente de missão nos foi explicitada e recordada no Documento de Aparecida: vivemos para anunciar a boa notícia para as pessoas, testemunhar Jesus Cristo às pessoas.

Nosso mundo caminha hoje por outros caminhos: caminhos do poder, da ganância, da guerra, da opressão, da violência e da indiferença, situações que levam as sociedades a experimentar cada vez mais insatisfação, desânimo e até mesmo depressão. Cabe a nós cristãos, ao final deste ano litúrgico, agradecer ao Senhor por tudo o que nos fez e o que nos comunicou, e peçamos, como os discípulos de Emaús, que o Senhor permaneça conosco. Que cada dia e a cada momento nos consagremos mais a Cristo Rei. Que nossos fiéis leigos possam levar adiante cada vez mais nossa missão, sendo presença e testemunha do ressuscitado.

Que possamos nos empenhar cada vez mais para que nossa experiência de fé nos leve a ser presença viva de Cristo na sociedade e no mundo. Não nos faltará a força do Espírito e a ação do alto para que permaneçamos firmes.

Cuidar do anúncio da Palavra, cuidar dos pobres, cuidar da comunidade. Que correspondamos cada vez mais ao que o Senhor espera de nós.

Orani João, Cardeal Tempesta, O. Cist.Arcebispo da Arquidiocese de São Sebastião do Rio de Janeiro