Cristo nos desafia a passar pelo mundo fazendo o bem, sendo misericordiosos com gestos de perdão e de reconciliação.
Celebramos neste domingo, o Sétimo do Tempo Comum. A liturgia nos apresenta por meio das suas leituras um desafio muito grande e forte: amar o inimigo. Cristo nos desafia a passar pelo mundo fazendo o bem, testemunhando nossa pertença a Ele por meio da vivência da gratuidade do amor que se expressa em gestos de perdão e de reconciliação. As três leituras nos mostram que não vivemos isolados, numa redoma de vidro. Dia após dia, uma grande rede de relacionamentos é construída por cada um de nós. Consequentemente, a cada dia é preciso responder aos desafios propostos pelos encontros e desencontros: fazer o bem ou o mal?
A primeira leitura – 1Sm 26,2.7-9.12-13.22-23 – nos apresenta um pouco sobre alguns aspectos da vida de Davi. Davi, tendo a possibilidade de fazer o mal, fez o bem. Os profetas, posteriormente, escreverão: deixem de fazer o mal e aprendam a fazer o bem. Saul e Davi vivem uma situação emblemática. A morte e a vida se encontram nas mãos deles, e cabe exatamente a eles decidir se um ou outro devem viver. O texto da primeira leitura é uma construção textual pró-Davi; ou seja, o autor procura construir um relato que contraponha dois sujeitos e suas qualidades no exercício da realeza. Na contraposição e comparação, o texto deseja informar que Davi é muito superior a Saul e, por isso, o cetro real deverá pertencer a ele.
O Salmo 102/103 apresenta-nos um dos maiores adjetivos que define a qualidade de Deus: bondade, ou seja, Deus é bom. A palavra “bom”, vem do grego Kalos. O Senhor é bondoso e compassivo. Além de ser bom para com toda a humanidade, Deus ainda tem compaixão de todos nós. Tanto que sente compaixão do ser humano que envia o seu próprio Filho. O Salmo também fala da tamanha misericórdia de Deus por todos nós.
Na Segunda leitura – 1Cor 15, 45-49 – São Paulo estabelece um paralelo entre Adão e Cristo a fim de salientar e explicar a grandiosidade de Cristo. Se o primeiro homem, Adão, foi feito alma vivente, o último Adão se tornou espírito que dá vida (cf. v. 45). A contraposição está estabelecida e não deixa lugar a nenhuma dúvida. No Gênesis, o primeiro Adão, ou seja, aquele que nascera do pó da terra, recebeu de Deus um princípio de vida. Cristo, porém, de forma diferente e potencialmente maior, recebeu o pneuma imperecível, isto é, que nunca morre. Assim, se o primeiro Adão está destinado à morte, o último Adão se tornou o verdadeiro princípio capaz de conferir essa vida a toda a criação.
Para São Paulo, fala que em Cristo e por causa de Cristo que se inicia a nova criação. Inicia-se a nova humanidade, que traz a marca da ressurreição de Cristo. É precisamente a ressurreição que, de fato, transforma o ser humano e o faz viver para Deus em Cristo. A nova humanidade significa que todas as coisas se fazem novas; dessa forma, a novidade de vida do novo humano se exprime, principalmente, em sua forma de se relacionar.
No Evangelho deste domingo –Lc 6,27-38 – Jesus é claro: “a vós que me escutais, eu digo: amai os vossos inimigos e fazei o bem aos que vos odeiam, bendizei os que vos amaldiçoam e rezai por aqueles que vos caluniam…”. É a continuidade das bem-aventuranças anunciadas no domingo passado, e Jesus nos ensina a vivê-las. Pede aos discípulos que não sejam restritos no amor, mas sim incondicionais e que, por isso, façam o bem desinteressadamente, amando até “os inimigos”. Jesus ensina aos discípulos e a nós vivermos na gratuidade do amor; por essa razão: “inimigos” podem ser as oposições que se recebe na oferta do bem e da verdade do Reino. O Senhor concede sua misericórdia para cada um de nós e para a Comunidade, até alcançarmos o mais alto grau no amor. Aí está nossa santificação. Jesus vai nos indicando tantas situações reais de nossa vida em que devemos estar alerta, para nossa santificação.
O grande desafio lançado pelas leituras é a nossa conversão e abertura ao dom da graça de uma vida nova. O padrão de construção do ser de cada um deve ser aquele encontrado em Jesus. “Sede misericordiosos como também o vosso Pai é misericordioso”… “porque com a mesma medida com que medirdes os outros, vós também sereis medidos”. Permanecer na condição do primeiro Adão é deixar de experimentar a nova vida em Jesus; se Adão representa o passado, a vida de Cristo se apresenta como o resgate do presente e a abertura para o futuro de esperança.
Orani João, Cardeal Tempesta, O. Cist.
Arcebispo Metropolitano de São Sebastião do Rio de Janeiro, RJ