Anunciação do Senhor

anunciação do senhor

A solenidade da Anunciação do Senhor é a celebração do grande mistério cristão da Encarnação do Verbo de Deus. A catequese sempre fez coincidir a Anunciação e a Encarnação. Estes mistérios começaram a ser celebrados liturgicamente provavelmente depois da edificação da basílica constantiniana sobre a casa de Maria, em Nazaré, no século IV. A celebração no Oriente e no Ocidente data do século VII. Durante séculos, esta solenidade teve sobretudo carácter mariano. Mas São Paulo VI devolveu-lhe o título de “Anunciação do Senhor”, repondo o seu caráter predominantemente cristológico. Em síntese, trata-se de uma “celebração (que) era e é festa de Cristo e da Virgem: do Verbo que se torna filho de Maria e da Virgem que se torna Mãe de Deus” (Marialis cultus 6).

O tema central desta grande festa é o Verbo Divino que assume nossa natureza humana, sujeitando-se ao tempo e espaço. Com alegria contemplamos o mistério do Deus Todo-Poderoso, que na origem do mundo cria todas as coisas com sua Palavra, porém, desta vez escolhe depender da Palavra de um frágil ser humano, a Virgem Maria, para poder realizar a Encarnação do Filho Redentor: “No sexto mês, o anjo Gabriel foi enviado por Deus a uma cidade da Galileia, chamada Nazaré, a uma virgem e disse-lhe: ‘Ave, cheia de graça, o Senhor é contigo.’ Não temas, Maria, conceberás e darás à luz um filho, e lhe porás o nome de Jesus. Maria perguntou ao anjo: ‘Como se fará isso, pois não conheço homem?’ Respondeu-lhe o anjo:’ O Espírito Santo descerá sobre ti. Então disse Maria: ‘Eis aqui a serva do Senhor. Faça-se em mim segundo a tu palavra’” (cf. Lc 1,26-38).

Podemos proclamar com toda a alegria neste dia de hoje: “E o Verbo se fez carne e habitou entre nós” (Jo 1,14a). E fazermos memória do início oficial da Redenção de todos, devido à plenitude dos tempos. É o momento histórico, em que o SIM do Filho ao Pai precedeu o da Mãe: “Então eu disse: Eis que venho (porque é de mim que está escrito no rolo do livro), venho, ó Deus, para fazer a tua vontade” (Hb 10,7). Mas não suprimiu o necessário SIM humano da Virgem Santíssima.

O mistério celebrado hoje é a conceição do Filho de Deus no seio da Virgem Maria. Na basílica nazaretana da Anunciação, diante do altar, há uma placa de mármore que os peregrinos beijam com emoção e onde está escrito: “Aqui de Maria Virgem fez-se carne o Verbo”. No texto da Carta aos Hebreus, o hagiógrafo refere ou interpreta a anunciação de Cristo; no texto de Lucas, o evangelista narra a anunciação a Maria. Cristo toma a iniciativa de declarar aquilo que Ele mesmo compreende; Maria recebe uma palavra que vem de fora de si mesma, uma palavra cheia de propostas de um Outro. O paralelismo transforma-se em coincidência na explicitação da disponibilidade de ambos para fazerem a vontade divina; é uma disponibilidade separada por qualidade e quantidade de consciência, mas que converge na finalidade de obediência total ao projeto de Deus: Ecce venio, ecce ancilla, eis-me aqui! Eis a serva! A atitude de obediência irá aproximar a mãe e o filho, Maria “anunciada” e Jesus Cristo “anunciado”. Ambos pronunciam o seu “Eis-me aqui!”.

O Evangelho da Anunciação tão conhecido por nos (Lc 1, 26-38), nos mostra a escolha de Maria para ser a Mãe do Salvador. Ela com uma singeleza responde o “SIM”. Este “SIM”, quebra toda a barreira dada pelo homem no Éden ao dizer “não” e assim desrespeitar a Deus. Ao olhar para esta página do Evangelho vemos a tamanha responsabilidade que a Virgem Maria recebe dentro do plano da salvação. Maria é a cheia de graça, pois, ela carrega durante nove meses aquele que é a “Graça”, Jesus Nosso Senhor. Aqui temos a graça de celebramos a solenidade da Encarnação. Como diz um canto: “Feliz o seio da Virgem Maria que trouxe o Filho do Eterno Pai” ou ainda quando nós recitamos no credo Niceno-Constantinopolitano: “Creio em um só Senhor, Jesus Cristo, Filho Unigênito de Deus, gerado do Pai antes de todos os séculos: Deus de Deus, Luz da luz, verdadeiro Deus de verdadeiro Deus, gerado, não criado, consubstancial ao Pai. Por Ele todas as coisas foram feitas. E, por nós, homens, e para a nossa salvação, desceu dos céus: Se encarnou pelo Espírito Santo, no seio da Virgem Maria, e se fez homem…”. A Tradição da Fé recebida durante os séculos nos ensina que Maria, a Virgem de Sião, concebeu o “Logos” (Verbo) incriado em seu ventre.

Ao celebramos a Solenidade da Anunciação, queremos render graças e eterno louvor ao Senhor que dignou-se enviar seu Filho para a redenção da humanidade. A solenidade da Anunciação é a celebração da graça e do amor, pois, nela vemos o tamanho amor de Deus pela humanidade ao ponto do Pai enviar o seu Filho e o Filho viver a dimensão da Kenosis, ou seja, do rebaixamento e da humildade. Que o exemplo de Maria nos inspire ao Sim ao vontade de Deus e que Cristo nos de a graça de buscarmos a vivermos a dimensão da humildade e da simplicidade.

          Orani João, Cardeal Tempesta, O. Cist.

         Arcebispo Metropolitano de São Sebastião do Rio de Janeiro, RJ