“Finalmente, a Virgem Imaculada, preservada imune de toda a mancha da culpa original, terminado o curso da vida terrena, foi elevada ao céu em corpo e alma e exaltada pelo Senhor como rainha, para assim se conformar mais plenamente com o seu Filho, Senhor dos senhores e vencedor do pecado e da morte” (Lumen Gentium 59).
A Assunção da santíssima Virgem é uma singular participação na ressurreição do seu Filho e uma antecipação da ressurreição dos outros cristãos: “No teu parto guardaste a virgindade e na tua dormição não abandonaste a mundo, ó Mãe de Deus: alcançaste a fonte da vida. Tu que concebeste o Deus vivo e que, pelas tuas orações, hás de livrar as nossas almas da morte” (Liturgia Bizantina). (Catecismo da Igreja Católica, 966).
Neste terceiro domingo do mês de agosto celebramos, aqui no Brasil, a assunção de Nossa Senhora. A celebração acontece em muitas comunidades no próprio dia 15, mas por motivos pastorais, oficialmente, ela é transladada para o domingo, com o objetivo de favorecer uma maior participação dos fiéis, como acontece com outras solenidades e festas em que não se é feriado no Brasil.
Neste terceiro domingo deste mês vocacional também rezamos e refletimos pelas vocações à vida consagrada, a vida religiosa de antiga e nova tradição. Desde o começo da Igreja homens e mulheres foram chamados por Deus para formarem famílias, sejam elas solitárias como os anacoretas ou comunitárias, como os cenobitas, que viviam a vida comunitária em torno da Palavra de Deus e dos sacramentos, procurando viver de forma intensa a vida cristã, formando pequenas comunidades e se consagrando ao Senhor, como até hoje o são.
Vários foram os carismas com que o Espírito Santo foi presenteando à Igreja ao longo da história, e a Igreja vai sempre contemplando e atenta a estes sinais vivos da ação do Espírito em nosso meio: vieram os anacoretas, os cenobitas, a vida monástica, as ordens mendicantes, os pregadores, missionários, as virgens consagradas, as novas ordens religiosas que se preocupavam com os doentes e com os pobres, as sociedades de vida apostólica, os institutos seculares e ultimamente os carismas próprios das novas comunidades e a consagração em seu seio.
Temos várias organizações que permanecem, outras seguem outros caminhos, outras cumprem um papel determinado e limitado na história onde alguns continuam e outros não. O importante é percebermos que na caminhada da Igreja temos vários carismas de homens e mulheres que, além da sua consagração batismal, respondem ao chamado de uma especial consagração.
A vocação batismal está como fundamento de tudo, mas, como nos fala a Lumen Gentium, há aqueles que se entregam a uma vocação de especial consagração, movidos pela graça de Deus. A Lumen Gentium vai ligar mais ainda a vida consagrada à santidade da Igreja, sendo reflexo imediato desta chamada universal à santidade:
Os conselhos evangélicos de castidade consagrada a Deus, de pobreza e de obediência, visto que fundados sobre a palavra e o exemplo de Cristo e recomendados pelos Apóstolos, pelos Padres, Doutores e Pastores da Igreja, são um dom divino, que a mesma Igreja recebeu do seu Senhor e com a Sua graça sempre conserva.
A autoridade da Igreja, sob a direção do Espírito Santo, cuidou de regular a sua prática e também de constituir, à base deles, formas estáveis de vida. E assim sucedeu que, como em árvore plantada por Deus e maravilhosa e variamente ramificada no campo do Senhor, surgiram diversas formas de vida, quer solitária quer comum, e várias famílias religiosas, que vêm aumentar as riquezas espirituais, tanto em proveito dos seus próprios membros como no de todo o Corpo de Cristo.
Com efeito, essas famílias dão aos seus membros os auxílios duma estabilidade mais firme no modo de vida, duma doutrina segura em ordem a alcançar a perfeição, duma comunhão fraterna na milícia de Cristo, duma liberdade robustecida pela obediência, para assim poderem cumprir com segurança e guardar fielmente a profissão religiosa e avançar jubilosos no caminho da caridade (Lumen Gentium 43).
Rezemos para que cada vez mais a vida consagrada e religiosa encontre os seus caminhos e que nessa mudança de era, mais que mudança de época, a vida consagrada esteja encontrando os caminhos de permanecer fiel ao essencial a partir da realidade do Evangelho que é sempre antigo e sempre novo.
Louvamos a Deus por todos os carismas e pedimos a Deus que faça sempre frutificar essa obra que Ele mesmo iniciou e que Deus continue a colocar no coração de muitos jovens o desejo de se entregar a Deus em uma vida de especial consagração. Em nossa arquidiocese destacamos que durante a missão arquiepiscopal de D. Jaime de Barros Câmara foram fundadas várias congregações religiosas de direito diocesano que ainda hoje serve à Igreja com seus membros.
Celebramos e rezamos pela vida consagrada no dia da Assunção de Nossa Senhora, celebrada neste domingo. A assunção de Maria coloca diante de nós a realidade do fim de nossa vida, a realidade última que nos aguarda. Sabemos que terminada nossa caminhada neste mundo, temos uma nova morada nos céus. O próprio Cristo vai dizer: Não se turbe o vosso coração; credes em Deus, crede também em mim. Na casa de meu Pai há muitas moradas; se não fosse assim, eu vo-lo teria dito. Vou preparar-vos lugar.
E quando eu for, e vos preparar lugar, virei outra vez, e vos levarei para mim mesmo, para que onde eu estiver estejais vós também (Jo 14, 1-3). Somos chamados a viver de tal forma a nossa vida cristã que não percamos de vista o nosso fim último. Nosso fim não é o cemitério dentro de um caixão. Nosso fim (finalidade) é estar com Deus na eternidade. Eis o grande mistério que a solenidade de hoje nos recorda. O prefácio da solenidade de hoje vai nos recordar: Hoje, a Virgem Maria, mãe de Deus, foi elevada à glória do céu. Aurora e esplendor da Igreja triunfante, ela é consolo e esperança para o vosso povo ainda em caminho, pois preservastes da corrupção da morte aquela que gerou, de modo inefável, vosso próprio Filho feito homem, autor de toda a vida.
A palavra de Deus proclamada nesta solenidade começa
trazendo a leitura do livro do Apocalipse ( Ap 11, 19a;12,1.3-6a.10ab):
Apareceu no Céu um sinal grandioso: uma mulher revestida de sol, com a lua
debaixo dos pés e uma coroa de doze estrelas na cabeça. E apareceu no Céu outro
sinal: um enorme dragão cor de fogo.
Através
dessas imagens vai mostrando toda a perseguição que a Igreja vai enfrentando. Maria
aparece no Apocalipse como imagem da Igreja. Ao mesmo tempo vai também
indicando:
Ela teve um filho varão, que há de reger todas as nações com cetro de ferro. O
filho foi levado para junto de Deus e do seu trono e a mulher fugiu para o
deserto, onde Deus lhe tinha preparado um lugar. E ouvi uma voz poderosa que
clamava no Céu: Agora chegou a salvação, o poder e a realeza do nosso Deus e o
domínio do seu Ungido.
Sabemos que no Apocalipse de São João, temos representadas as imagens da Igreja e como extensão também a figura de Maria. A Tradição da Igreja sempre teve por costume associar as figuras de Maria e da Igreja. Maria é esta mulher forte que, sabendo cumprir a vontade do Pai e que soube ao mesmo tempo cantar os louvores de Deus. À semelhança de Maria, a Igreja concebe na dor um mundo novo. E em união com Maria, participa na vitória de Cristo sobre o Mal.
O Magnificat de Maria, evangelho proclamado nesta solenidade, (Lc 1, 39-56) vai relatar exatamente os louvores dados por Maria a Deus: A minha alma glorifica o Senhor e o meu espírito se alegra em Deus, meu Salvador, porque pôs os olhos na humildade da sua serva: de hoje em diante me chamarão bem-aventurada todas as gerações.
Na carta de Paulo aos Coríntios (1 Cor 15, 20-27a), Paulo vai falando das primícias da ressurreição última: o que aconteceu com Cristo, acontece com Maria conforme hoje celebramos e da mesma forma acontecerá com a vida de toda a Igreja:
Cristo ressuscitou dos mortos, como primícias dos que morreram.
Uma vez que a morte veio por um homem, também por um homem veio a ressurreição dos mortos; porque, do mesmo modo que em Adão todos morreram, assim também em Cristo serão todos restituídos à vida. Cada qual, porém, na sua ordem:
primeiro, Cristo, como primícias; a seguir, os que pertencem a Cristo, por ocasião da sua vinda. Depois será o fim, quando Cristo entregar o reino a Deus seu Pai depois de ter aniquilado toda a soberania, autoridade e poder. É necessário que Ele reine, até que tenha posto todos os inimigos debaixo dos seus pés. E o último inimigo a ser aniquilado é a morte,
porque Deus tudo colocou debaixo dos seus pés.
A nossa humanidade já está na eternidade: antes de tudo com Jesus, assumindo nossa carne e subindo aos céus, nossa humanidade glorificada está junto com a Trindade. Com Maria vemos também a criatura que é chamada a não perder a sua dimensão: a dimensão de eternidade.
Somos chamados a resolver muitas questões e atender a muitas demandas, mas não podemos esquecer a dimensão de eternidade. Por isso, uma vida de conversão e de mudança de vida nunca pode ser deixada de lado. Temos no céu uma morada permanente e estamos caminhando rumo a ela. Compartilharemos em corpo e alma desta glória divina.
A Solenidade de hoje enche-nos de confiança nas nossas súplicas pois, conforme nos diz São Bernardo, “subiu aos céus a nossa Advogada para, como Mãe do Juiz e Mãe de Misericórdia, tratar dos negócios da nossa esperança. ” Ela alenta continuamente a nossa esperança. Somos ainda peregrinos, mas a nossa Mãe precedeu-nos e indica-nos já o final do caminho: repete-nos que é possível lá chegarmos, e que lá chegaremos, se formos fiéis. Porque a Santíssima Virgem não é apenas nosso exemplo: é auxílio dos cristãos. E ante a nossa súplica não quer negar-se a cuidar dos seus filhos com solicitude maternal.
Que sejamos cada vez mais transformados em homens e mulheres novos. Que os religiosos e religiosos, cujo dia celebramos neste final de semana nos ajudem com seu exemplo, sua dedicação e consagração a buscarmos o caminho da santidade no dia a dia da nossa vida.
“Deus eterno e todo-poderoso, que elevastes à glória do céu, em corpo e alma, a imaculada virgem Maria, mãe do vosso filho, dai-nos viver atentos às coisas do alto, a fim de participarmos da sua glória”.
Orani João, Cardeal Tempesta, O. Cist. Arcebispo Metropolitano de São Sebastião do Rio de Janeiro