Fala com sabedoria, ensina com amor

campanha da fraternidade 2022
Material para catequese
Material para catequese

A Campanha da Fraternidade, no tempo da quaresma, vem auxiliar em vários aspectos no processo de amadurecimento da vivência do Evangelho

A Igreja Católica no Brasil celebra, mais uma vez, a Quaresma em seu calendário litúrgico. E junto com as cinco semanas do tempo quaresmal, a Igreja no Brasil inaugura mais uma edição da Campanha da Fraternidade (CF), com o tema “Fraternidade e Educação” e tendo como lema “Fala com sabedoria, ensina com amor”, inspirado no Livro dos Provérbios (31,26).

A Quaresma é este tempo especial onde o fiel é convidado a se aprofundar em sua conversão, por meio do jejum, oração e esmola. A Campanha da Fraternidade vem junto para auxiliar em vários aspectos no processo de amadurecimento da vivência do Evangelho e, principalmente, no âmbito da esmola. A Igreja oferece aos cristãos, por meio da Campanha da Fraternidade, mais uma oportunidade para que os fiéis voltem seu olhar à sociedade na qual estão inseridos para que, à luz da Palavra de Deus e a fé em Jesus Cristo, possam reconhecer, refletir e discernir orientações e caminhos para os desafios que vão sendo descobertos no mundo da educação, conforme a proposta deste ano. Há uma realidade com ampla desigualdade cultural e econômica e a CF se torna este instrumento a mais, tão importante, para ajudar as comunidades a melhor viverem o tempo da Quaresma.

Mas antes de tratar diretamente do tema da CF-2022, torna-se necessário um olhar na linha do tempo para conferir a gênese de como isso tudo começou. A Campanha da Fraternidade ocupa um lugar importante na História da Igreja no Brasil, quando lá em 1962, a Igreja no Brasil lança o famoso “Plano de Emergência”, na época com a assessoria de três padres, que começaram a pensar uma forma de como ajudar a Caritas para angariar fundos para atender a sustentabilidade dos inúmeros projetos sociais que a Igreja havia assumido e que continuamente recebia. Obviamente, que este projeto não poderia apenas pensar numa logística de sustentabilidade às ações caritativas da Igreja, mas tinha que imprimir o caráter pastoral e evangelizador. Assim, neste contexto, no dia 7 de março de 1962, em Natal, no Rio Grande do Norte, sob a inspiração do Cardeal Eugenio de Araujo Sales, acontece a primeira edição local da Campanha da Fraternidade. A iniciativa deu certo e, no ano seguinte, outras 16 dioceses do Nordeste aderiram ao projeto. Na época, o responsável pelo Plano Emergencial da Caritas era Dom Eugênio, que presidia o Secretariado Nacional de Ação Social. A experiência funcionou e, em 1964, a Campanha da Fraternidade é lançada pela CNBB em todo o Brasil, tendo como tema: “Igreja em Renovação”. Portanto, esta Campanha da Fraternidade 2022, em nível nacional, já está na sua 58ª edição.

E aquela proposta de uma Igreja em Renovação não parou no tempo. Também não ficou engessada apenas no período da Quaresma daquele ano, mas levou a Boa Nova a todos os ambientes, da Igreja e da sociedade, transformando as realidades a partir de dentro. Basta um olhar sobre uma análise de conjuntura da sociedade brasileira e se perceberá o surgimento dos novos desafios que exigem respostas rápidas, sempre à luz do Evangelho, e a CF é um dos instrumentos que inspira na elaboração de metodologias que são aplicadas pelas pastorais, associações e movimentos.

A Quaresma é este tempo por excelência para viver, de coração plenamente convertido, a Páscoa do Senhor. E conversão leva à preparação de um novo caminho. Na Quaresma, é possível reviver o caminho dos catecúmenos que recebiam o santo batismo na Vigília Pascal no Sábado Santo. Agora, é a grande oportunidade de cada batizado reviver o seu batismo. Isto se dá com a vivência das tradicionais práticas quaresmais, tais como o jejum, a oração e a esmola. É neste momento que a Campanha da Fraternidade se transforma em uma das colunas deste tripé estreitamente ligada à esmola.

E o que pensar e dizer como proposta de ação na CF-22? É ali que entra em cena o grande instrumento da CF, que se chama “texto-base”. A cada ano, há um tema e lema diferentes que fazem da CF um valiosíssimo instrumento pastoral no anúncio do Evangelho, provocando um verdadeiro encontro da pessoa com Jesus Cristo. Até porque a CF tem seu ápice na Quaresma, tempo penitencial, quando os cristãos buscam uma injeção de ânimo, através da conversão, para assim sentir a força da ressurreição acontecer dentro de si e no âmbito da comunidade. Afinal, o encontro com o Senhor só acontece, de fato, se produz frutos. É também um momento importante para reavivar a Pastoral da Educação, comemorando neste ano o seu 40º aniversário.

Daí a importância de estudar o texto-base proposto pela CNBB. A escolha do tema e do lema se dá no Consep (Conselho Episcopal Pastoral), que reúne 12 bispos-presidentes das Comissões Episcopais Pastorais e mais os quatro bispos que compõem a presidência da CNBB. Mas como o tema é escolhido? Chegam à CNBB, vindas de todo o Brasil, das dioceses, congregações, entidades, associações, movimentos, pastorais, propostas para que este ou aquele tema seja abordado pela Campanha da Fraternidade. O tema deste ano, o da Educação, já estava na fila de espera há cinco anos, pois os temas anteriores a ele, eram da mesma forma emergentes e já tinham sido decididos em assembleias passadas.

Quando se aproxima a data de defender o tema a ser abordado na próxima Campanha da Fraternidade, surgem algumas perguntas que tentam encontrar respostas em como viver a fraternidade no âmbito da sociedade atual. Então, buscando as respostas para os tempos do agora, foi escolhido o tema da Educação. Não se deve pensar que a Igreja está pensando em apresentar respostas para as questões da educação formal, acadêmica. Não. Além disso, há todo o espaço de inserção do ser humano. Qual é a “bolha”, por assim dizer, que ele pertence? Sabe-se que a educação primeira se dá no âmbito familiar. É na família que está o primeiro espaço de qualidade para uma educação que levará o indivíduo a se desenvolver mais nas instituições de ensino pública ou privada.

As instituições têm uma dimensão educativa mais específica. Por exemplo, mesmo que alguém esteja inserido no mundo acadêmico das exatas, vai encontrar ali, também, uma hierarquia de valores que molda a pessoa para o bem, que são defendidos e repassados. Por isso, a educação transcende o universo apenas escolar, acadêmico, mas em sua essência encontra um sentido muito maior.

Desta forma, diante da escolha do tema e lema, a Comissão acima citada estudou as propostas e defendeu a Educação com o seguinte lema: “Fala com sabedoria, ensina com amor” (Pr 31,26). E a escolha do cartaz tem sua origem no Evangelho de João 8,1-11, quando os mestres da lei e os fariseus trouxeram até Jesus uma mulher surpreendida em flagrante adultério. Este cenário inspira o cartaz da CF-22. Jesus começa a escrever no chão; não está em sala de aula, em uma biblioteca ou academia. Jesus está pronto para ensinar ali mesmo, no lugar onde se encontra. Todos os que estão em sua volta perceberam quando Jesus cria um ambiente de misericórdia, que ensinará uma nova cultura não apenas àquela mulher ali acusada, mas também aos que estavam em volta de dele. Jesus ensina uma releitura da lei, agora inserida na moldura da misericórdia, que conduz aquela pessoa a um novo estado de vida, fazendo-a uma “nova mulher” e aos que a acusavam, que queriam condená-la, fazendo-os “homens novos”. Esta foi uma das experiências do encontro com Jesus Cristo que transforma as mentalidades, aquele que por excelência, fala com sabedoria e ensina com amor. Assim está lançada a proposta para compreender este link, esta fusão entre Quaresma e Campanha da Fraternidade. Somos chamados a viver a vida batismal no caminho de conversão, e a campanha da fraternidade nos dá um exemplo concreto de uma conversão pessoal para nós enquanto questiona a sociedade sobre o tema.

Há uma hierarquia entre os educadores da humanidade? Há, apesar de que, em todos, tudo começou lá no berço familiar. Em âmbito de Igreja, pode-se colocar o Papa Francisco que exorta e educa a humanidade com suas encíclicas, documentos, exortações e reflexões. Em todas elas há sempre os parágrafos consagrados ao tema da Educação. O próprio Papa Francisco convoca a comunidade de fiéis para investir em uma educação que cause uma ruptura com aquele antigo modelo: família x escola x sociedade. Ainda existe o dilema de cada uma dessas estruturas jogar para o próximo a responsabilidade pela educação do indivíduo. Mas o que o Papa pede é a construção de um modelo que cause um pacto educativo global.

Um dos instrumentos para a investida no discernimento e construção do pacto educativo global é a proposta apresentada pelo texto-base da CF-2022. Não se trata de substituir o Evangelho por um instrumento de estudo durante a Quaresma que contempla a oração, o jejum e a esmola, mas se trata da necessidade de encontrar nos subsídios uma luz que ajudará melhor compreender o Evangelho nas realidades de hoje. O primeiro texto-base foi escrito na CF de 1967 e, de lá para cá, este instrumento é catequético na formação das lideranças pastorais e de movimentos nas comunidades. A Educação já foi abordada duas vezes anteriormente, conforme a linha do tempo. Em 1982: “A Verdade vos libertará”; e em 1998: “A serviço da Vida e da Esperança”. E agora em 2022, pela terceira vez com o lema “Fala com sabedoria, ensina com amor.” Portanto, já são quatro décadas que a CNBB vem demonstrando sua preocupação com esta temática tão importante na sociedade. E agora ainda mais em tempos de pandemia.

Por isso, o texto-base se transforma neste instrumento que facilita compreender o contexto da educação na sociedade de hoje e é o grande referencial para as pastorais e movimentos elaborarem suas linhas de ação na comunidade. E com certeza que só será possível compreender o contexto da educação de hoje na sociedade a partir da escuta da Palavra de Deus. Na Palavra está a inspiração para rabiscar os primeiros traços de um projeto de transformação de determinadas realidades. O texto-base deste ano também leva em consideração a pandemia provocada pelo Covid-19. Está aí mais um filtro para alimentar a reflexão diante dos novos desafios perante uma educação acadêmica on-line.

Em tempos de pandemia, surgem novos paradigmas de enfrentamento aos desafios que nascem. E, por isso, o texto-base busca ajudar frente às perguntas: como trabalhar a cultura de hoje com a educação? O que pode ser revelado em nossa cultura da educação em tempos de pandemia e ensino à distância? Como fazer com que este estudo avance para além da Quaresma? Pois há uma inquietação por parte da comunidade cristã, já que a CF não é muito debatida na Igreja durante o ano, e o tema parece cair no esquecimento logo que termina a Quaresma.

Daí vem a aplicação, ou seja, ir direto à fonte, ao texto em si. É necessário conhecer o contexto local e encontrar no texto-base respostas para uma metodologia a ser aplicada conforme as exigências locais. O texto-base continua com a perspectiva do antigo método: Ver, Julgar e Agir, mas, no entanto, este ano há um considerável progresso neste método, trazendo uma nova roupagem, inspirada nas exortações do Papa Francisco: ESCUTAR, DISCERNIR e AGIR; tudo sempre regado com o autêntico olhar sobre a Palavra de Deus.

A Igreja tem diversas formas de manifestar-se publicamente na sociedade e o texto-base é uma delas. Por isso, é feito chegar o conteúdo do texto-base às diferentes esferas da sociedade, como poderes públicos, prefeitos, vereadores, empresários, pedagogos, direção e professores das escolas públicas e particulares, agentes de pastorais e movimentos etc. Em determinados ambientes, é possível até receber a visita de um agente de pastoral que irá colaborar na reflexão do texto-base na instituição a que for convidado ou acolhido. E, obviamente, que nas paróquias e comunidades são reproduzidos muitos encontros inspirados na formação que os agentes recebem na sua diocese. Estes encontros de reflexão devem acontecer em todas as pastorais.

O texto-base não define um modelo educativo pronto para pensar respostas aos desafios locais ligados à educação, mas apresenta uma contribuição à luz da fé cristã para se pensar melhores rumos para a educação. O texto-base foi construído com a colaboração de uma equipe de reflexão, que também fez muita pesquisa de campo, por muito tempo, e conta com a assessoria de convidados e especialistas na área da educação. Após formatada a primeira versão, o texto é submetido à apuração do Conselho Permanente da CNBB e à Comissão para a Doutrina da Fé. O texto ganha várias anotações e emendas até seu formato final.

E após 40 anos desde que a educação foi tratada pela primeira vez em Campanha da Fraternidade, se percebe muita coisa mudada. A melhoria nos índices se dá no âmbito do acesso, qualidade, profissionalismo, diálogo com a sociedade e abertura ao enfrentamento dos novos desafios criados pela pandemia. Neste sentido, a Pastoral da Educação cresceu muito e tem ajudado muitas instituições em seu diálogo entre cultura e fé.

A linguagem de hoje é a da inclusão digital. Tem se falado muito sobre este assunto nos últimos 20 anos. E agora com a crise provocada pela pandemia foi necessário pensar em novas soluções urgentes para enfrentar este desafio. Há um grande debate sobre os efeitos do ensino à distância e o aprendizado na forma presencial. Está em jogo, neste momento, a vida familiar que precisou ser remodelada: horário de trabalho, convivência, a vida de cada membro dentro de casa, levar ou não mais os filhos à escola; enfim, uma série de fatores que está reconstruindo um novo modelo de sociedade.

Com tudo isso e muito mais que pode ser descoberto em uma comunidade, está aí o texto-base da Campanha da Fraternidade 2022 para iluminar caminhos frente aos novos desafios da educação no Brasil.

Orani João, Cardeal Tempesta, O. Cist.

Arcebispo Metropolitano de São Sebastião do Rio de Janeiro, RJ