Quinta-feira Santa de manhã é um momento solene e especial celebrativo em nossa Arquidiocese. Além da bênção dos óleos dos enfermos e do batismo e a consagração do óleo do crisma temos a renovação dos compromissos sacerdotais dos padres. É um belo encontro dos padres da arquidiocese, ao final do tempo quaresmal, e, antes de iniciar o tríduo pascal, de marcar o momento com a unidade e fraterna comunhão entre nós vivendo os compromissos que um dia fizemos em nossa ordenação presbiteral. Desde manhã já começam a chegar e as 8:30 iniciaremos a grande celebração. Momento marcante em nossa vida diocesana. É a chamada Missa do Crisma. Nessa celebração Eucarística Solene, comemoramos a instituição do sacerdócio ministerial em torno ao Bispo Diocesano e concelebrada por todos os Bispos Auxiliares e todo o Presbitério: é o momento forte de afeto presbiteral e de unidade do presbitério com o seu Bispo Diocesano.
Recordo o texto do Evangelho desse dia: “O Espírito do Senhor está sobre mim, porque me ungiu para anunciar a Boa-Nova aos pobres; enviou-me a proclamar a libertação aos cativos e, aos cegos, a recuperação da vista; a mandar em liberdade os oprimidos” (Lc 4, 18).
Nesse contexto agradeço de coração a todos os presbíteros pela unidade e pela missão desempenhada nessa grande cidade, tão sofrida e martirizada por tantos acontecimentos. Junto com uma grande ação de graças por tudo o que vivemos nestes tempos e pelo empenho de todos e de cada um partilho algumas reflexões nestes tempos tão difíceis da história do nosso tempo. Junto dos queridos padres em suas comunidades quero compartilhar algumas preocupações de meu coração de Bispo Diocesano para com os padres e para com toda a comunidade arquidiocesana.
Apresento algumas reflexões que podem nos ajudar em nossa conversão pessoal e comunitária nestes dias em que estamos para iniciar o Tríduo Pascal e celebrar a Páscoa do Senhor Ressuscitado:
- Proximidade: o presbítero é um homem que deve ser próximo do seu Bispo Diocesano, dos seus irmãos no presbitério e de todo o povo santo de Deus. É nossa vocação ser ponte, unirmos a comunidade. Nesse sentido é oportuna a advertência do Papa Francisco: “A proximidade, amados irmãos, é a chave do evangelizador, porque é uma atitude-chave no Evangelho (o Senhor usa-a para descrever o Reino). Já temos por adquirido que a proximidade é a chave da misericórdia, pois não seria misericórdia senão fizesse sempre de tudo, como boa samaritana, para eliminar as distâncias. Mas penso que precisamos de assumir melhor o fato de que a proximidade é também a chave da verdade; não só da misericórdia, mas também a chave da verdade. Podem-se eliminar as distâncias na verdade? Certamente. Com efeito, a verdade não é só a definição que permite nomear situações e coisas mantendo-as à distância com conceitos e raciocínios lógicos. Não é só isso. A verdade é também fidelidade (emeth), aquela que te consente de designar as pessoas pelo seu próprio nome, como o Senhor as designa, antes de as classificar ou definir «a sua situação». A propósito, existe o hábito – mau, não é? – da «cultura do adjetivo»: este é assim, este é assado… Não! Este é filho de Deus. Depois, terá virtudes ou defeitos; mas digamos a verdade fiel da pessoa e não o adjetivo feito substância”
- Ajudemo-nos no caminho da santidade: observamos que na sociedade líquida em que vivemos existe a tentação de condenar as pessoas. Há uma desconfiança generalizada e as pessoas não aceitam dialogar. Não se tem mais apreço pela verdade fática dos acontecimentos e muitas vezes a maledicência fica generalizada pelas mídias digitais disseminando mentiras que, repetidas maledicentemente, se tornam verdades. O Papa Francisco nos lembra da necessidade de nos dedicarmos ao ofício do Confessionário e ao imperioso sacramento da Reconciliação: “A proximidade na Confissão, podemos meditá-la contemplando a passagem da mulher adúltera (cf. Jo 8, 3-11). Lá se vê claramente como a proximidade é decisiva, porque as verdades de Jesus sempre aproximam e se dizem (podem-se dizer sempre) face a face. Fixar o outro nos olhos – como o Senhor, quando Se levanta depois de ter estado de joelhos junto da adúltera que queriam lapidar, e lhe diz «também Eu não te condeno» (8, 11) – não é ir contra a lei. E pode-se acrescentar «de agora em diante não tornes a pecar», não com um tom que pertence à esfera jurídica da verdade-definição (o tom de quem deve determinar quais são as condições da Misericórdia divina), mas com uma frase dita na área da verdade-fiel que permita ao pecador olhar em frente e não para trás. O tom justo deste «não tornes a pecar» é o do confessor que o diz disposto a repeti-lo setenta vezes sete.”
- A ternura do Bom Pastor: o padre é chamado a ser um servidor da comunidade e para isso doa sua vida ao Senhor. O padre é chamado a acolher a todos, em especial os pecadores, os pobres, os humilhados, os descartados, os que vivem em situação de risco. E a acolhida é prenha de ternura, como a ternura do Cristo Bom Pastor. Assim nos ensina e dá testemunho o Papa Francisco: “O sacerdote vizinho, que caminha no meio do seu povo com proximidade e ternura de bom pastor (e, na sua pastoral, umas vezes vai à frente, outras vezes no meio e outras vezes ainda atrás), as pessoas não só o veem com muito apreço; mas vão mais além: sentem por ele qualquer coisa de especial, algo que só sentem na presença de Jesus. Por isso, reconhecer a nossa proximidade não é apenas…mais uma coisa. Com efeito nisso se decide se queremos tornar Jesus presente na vida da humanidade ou se, pelo contrário, O deixamos no plano das ideias, encerrado em belas letras, quando muito encarnado nalgum bom hábito que pouco a pouco se torna rotina.”
- O cuidado alegre e generoso com os mais pobres e necessitados: uma das ações fundamentais do ministério presbiteral é socorrer os que passam dificuldades. Vimos nestes dias de tantos sofrimentos a missão da Igreja, com os padres a frente, cuidando de tantas situações dolorosas. Muitos padres e muitas comunidades puderam testemunhar, nos episódios das últimas enchentes, com o caos que se estabeleceu em nossa cidade na primeira semana de abril próximo passado, da proximidade com os mais pobres e com os que perderam vidas e pertences com as chuvas. Não só as chuvas, mas, também, os desabamentos de prédios em nossa cidade, com vários mortes e muitos desabrigados. Isso é colocar-se ao lado dos que sofrem. Ensina o Papa Francisco que: “Coração trespassado do Senhor: integridade suave, humilde e pobre, que atrai todos a Si. D’Ele devemos aprender que, anunciar uma grande alegria àqueles que são muito pobres, só se pode fazer de forma respeitosa e humilde, até à humilhação. Não pode ser presunçosa a evangelização; não pode ser rígida a integridade da verdade, porque a verdade fez-Se carne, fez-Se ternura, fez-Se criança, fez-Se homem, fez-Se pecado na cruz (cf. 2 Cor 5, 21). O Espírito anuncia e ensina «a verdade completa» (Jo 16, 13), e não tem medo de a dar a beber aos goles. O Espírito diz-nos, em cada momento, aquilo que devemos dizer aos nossos adversários (cf. Mt 10, 19) e ilumina-nos sobre o pequeno passo em frente que podemos dar naquele momento. Esta integridade suave dá alegria aos pobres, reanima os pecadores, faz respirar aqueles que estão oprimidos pelo demônio”
- Sacerdotes que sejam testemunhas da misericórdia do Senhor: Os presbíteros manifestam a misericórdia do Evangelho. Esse é o programa do Pontificado do Papa Francisco e deve ser, depois de termos celebrado o Ano Santo Extraordinário da Misericórdia, uma meta para todos os presbíteros: “Como sacerdotes, somos testemunhas e ministros da Misericórdia cada vez maior do nosso Pai; temos a doce e reconfortante tarefa de a encarnar como fez Jesus que «andou de lugar em lugar, fazendo o bem e curando» (At 10, 38), de mil e uma maneiras, para que chegue a todos. Podemos contribuir para inculturá-la, a fim de que cada pessoa a receba na sua experiência pessoal de vida e possa, assim, compreendê-la e praticá-la – de forma criativa – no modo de ser próprio do seu povo e da sua família.
- Promotores da cultura do Encontro: “é próprio do ministério presbiteral proporcionar, com a vida e o ministério presbiteral, um encontro do fiel com o Senhor: O primeiro âmbito onde vemos que Deus Se excede numa Misericórdia cada vez maior, é o do encontro. Ele dá-Se totalmente e de um modo tal que, em cada encontro, passa diretamente à celebração duma festa. Na parábola do Pai Misericordioso, ficamos estupefatos ao ver aquele homem que corre, comovido, a lançar-se ao pescoço de seu filho; vendo como o abraça e beija e se preocupa por lhe pôr o anel que o faz sentir-se igual, e as sandálias próprias de quem é filho e não um assalariado; e como, em seguida, põe tudo em movimento, mandando que se organize uma festa.”
Diante de tantas atividades pastorais que os presbíteros exercem na sua missão própria, da oração comum da Igreja pela oração da Liturgia das Horas, pela celebração do sacramento da Eucaristia diária, em favor do povo Santo de Deus; quero agradecer o generoso ministério sacerdotal e a encorajar a todos a anunciar o Evangelho do Senhor Ressuscitado para todas as pessoas. Neste ano vocacional sacerdotal este é um grande sinal que entusiasma as novas gerações. Gastar a sua vida para tornar Jesus Ressuscitado mais amado, seguido e testemunhado nesta grande cidade. As dificuldades próprias da violência, da exploração, da falta de paz devem animar o nosso coração de pastores a caminhar lado a lado com o povo, compartilhando suas alegrias e suas dores, e que as suas tristezas sejam consoladas para que testemunhemos a misericórdia do Senhor Ressuscitado.
Peço que os presbíteros levem meu abraço de uma Santa e abençoada Páscoa para todos os fiéis de suas comunidades. Trago a todos e a cada um em meu coração de Bispo Diocesano e, na oração diária, os acompanho com o afeto do meu coração e o máximo do que posso fazer para que possamos levar a missão que o Senhor e a Igreja espera de cada um de nós, de sermos única e exclusivamente, à exemplo do Senhor, Bons Pastores: “À imagem do Bom Pastor, o presbítero é um homem de misericórdia e de compaixão, está perto do seu povo e é servidor de todos. Quem quer que se encontre ferido na própria vida pode encontrar nele atenção e escuta… O sacerdote é chamado a aprender isto, a ter um coração que se comove… Hoje podemos pensar a Igreja como um «hospital de campo». É necessário curar as feridas, e elas são numerosas. Há tantas chagas! Existem muitas pessoas feridas por problemas materiais, por escândalos, até na Igreja… Pessoas feridas pelas ilusões do mundo… Nós, sacerdotes, devemos estar ali, próximos destas pessoas. Misericórdia significa, antes de tudo, curar as feridas.”
Que sejamos expressões da ternura divina e que caminha sempre ao encontro do outro para que ele se enamore do Ressuscitado! Abençoada Páscoa a todos!
Orani João, Cardeal Tempesta, O. Cist.
Arcebispo Metropolitano de São Sebastião do Rio de Janeiro, RJ