Quando tive a graça de apresentar meu antigo bispo auxiliar, Dom Pedro Cunha Cruz, como Bispo Coadjutor da Diocese da Campanha, subi a Rua Direita, da bicentenária cidade episcopal da Campanha da Princesa da Beira, aonde nasceu no dia 12 de abril de 1827 o jovem Francisco de Paula Victor.
Neste dia 23 de setembro celebramos a memória do Beato Francisco de Paula Victor, o famoso Padre Victor de Três Pontas. Sabemos que a chamada lei áurea é de 13 de maio de 1888, foi precedida por: Lei Eusébio de Queirós (1850), Lei do Ventre Livre (1871) e Lei dos Sexagenários (1885). Ter um pároco negro em 1852 bem demonstra os grandes passos que já se davam no povo de Deus e na Igreja antes de existirem as leis. E, o mais importante, um padre com fama de santidade! Com as fontes comuns encontradas na internet e nos livros sobre o padre Victor traço uma rápida reflexão para nossa meditação neste dia da comemoração do seu “vere die natalis” quando comemoramos sua memória.
A cidade da Campanha que já se chamou Santo Antônio do Vale da Piedade do Rio Verde; Campanha do Rio Verde; Campanha da Princesa da Beira e Arraial de São Cipriano foi o lugar escolhido por Deus para que uma história fenomenal da graça de Deus na vida de um negro que superou todas as adversidades para subir ao Altar do Senhor.
Filho de Dona Lourença Justiniana de Jesus, o menino Francisco de Paula Victor foi batizado oito dias depois pelo padre Antônio Manoel Teixeira. Escravo, Victor não viveu como escravo. Graças a Senhora Marianna Bárbara Ferreira, que deu dignidade para os seus escravos, tomou o menino Francisco como afilhado e sob a sua generosidade o proveu de leitura, o ensinou a escrever, a tocar piano e a aprender ao francês, tendo como preceptor o Reverendo Padre Joaquim Ferreira de Coimbra, conhecido como Padre Mestre.
Francisco de Paula Victor foi alfaiate. Com a ajuda de sua madrinha Dona Marianna Bárbara Ferreira, o Padre Antônio Felipe de Araújo, então pároco da Campanha da Princesa da Beira informou ao Bispo de Mariana, Dom Antônio Ferreira Viçoso, que o jovem Francisco de Paula Victor queria entrar no Seminário, mesmo sabendo que naquela época havia algumas dificuldades por causa de sua cor e por ser filho de pai desconhecido, ou seja, filho “de mãe solteira”. Mas, Dom Viçoso, igualmente como o padre que futuramente ordenaria está sendo colocado como modelo de santidade pela Igreja, superou todas as dificuldades canônicas e acolheu o jovem candidato no Seminário São José, na episcopal cidade de Mariana, para onde se dirigiu a de cavalo, chegando em 05 de março de 1849.
O Diácono Francisco de Paula Victor foi ordenado no dia 14 de junho de 1851, com a idade de 24 anos. A sua primeira missa foi cantada pelo Padre Victor na sua natal cidade da Campanha, onde permaneceu por cerca de um ano, até que chegou a notícia de sua transferência para Três Pontas, quando foi nomeado pároco em junho de 1852.
Conta o nosso venerável irmão Dom Diamantino Prata de Carvalho, OFM, que: “À época em que o padre negro chegava em Três Pontas, a vila reunia em sua maioria fazendeiros que faziam riqueza com o trabalho dos escravos. E se no seminário, onde Deus é chamado todos os dias, a reação em aceitar um padre negro foi difícil, em Três Pontas ela poderia ter se tornado uma tragédia”. “Ele também não foi bem recebido em Três Pontas”, continua Dom Diamantino. “O povo simples o aceitava bem, mas os graúdos… Por exemplo, o visconde de Boa Esperança falava: ‘nós pedimos um padre sábio, um padre bom e manda aqui um negão’. Mas [Padre Victor] foi para amar o povo e perdoar os inimigos.” “ E foi preciso muita sabedoria e persistência para derrubar o grande preconceito que havia na época. Ele passou por agressões, missas rezadas para uma igreja praticamente vazia, piadas ofensivas. Mas a bondade e a caridade que o religioso continuou a dedicar aos moradores da vila, apesar de todas as humilhações, pouco a pouco conquistou até os fazendeiros mais ricos da região e ele passou a ser conhecido como o lendário padre negro de Três Pontas”.
Alguns traços da personalidade do Padre Victor são dignos de muita atualidade: a sua voz grave e de sua personalidade rígida, justa, porém bondosa. Padre Victor morava em um casarão simples e vivia praticamente de doações. Continua Dom Diamantino a relatar que: “À medida que a estima por ele aumentava, também aumentava o que lhe era doado. Mas nada a ele pertencia. Conta-se que um homem pobre foi a Padre Victor com o estômago vazio pedir o que comer. Victor havia acabado de se encontrar com um dos muitos fazendeiros que passaram a frequentar a igreja após se admirar com o padre negro, e dele ganhou uma quantia de réis para ajudar na paróquia. O envelope com o dinheiro estava no bolso do religioso, e sem pensar, ao ouvir o pedido do homem, o entregou tudo. Quando o pedinte viu a grande quantia que estava no envelope, voltou correndo para devolver a maior parte e só ficar com o suficiente para comer. Em sua cabeça, o padre se enganou ao lhe dar tanto dinheiro. Mas Padre Victor disse: “eu já lhe dei o que tinha e não quero de volta. Fique com tudo”.
Padre Victor proveu a cidade de Três Pontas com a fundação do Colégio Sagrada Família, sendo ele mesmo professor. Ensinava música, francês e ensino religioso. Pela generosidade da escola do Padre Victor passaram figuras ilustres da vida sul-mineira. No Colégio Sagrada Família estudou o primeiro bispo da Campanha, o Conde Dom João de Almeida Ferrão, depois pároco da cidade da Campanha e primeiro vigário geral da Diocese de Pouso Alegre, e o médico Samuel Libânio.
Depois de uma vida virtuosa em Três Pontas, quando atendia, quando chamado até as cidades vizinhas, Padre Victor morreu no dia 23 de setembro de 1905 após ter um Acidente Vascular Cerebral (AVC).
O Beato Padre Victor foi elevado às honras dos altares em 2015. A professora Maria Isabel de Figueiredo sonhava ser mãe, mas não podia engravidar. Foram dois anos de tratamentos e muitas desilusões, até que ela pediu ajuda a Padre Victor durante uma novena. “Eu pedi na novena de 2009 para o Padre Victor que intercedesse a Deus para que eu engravidasse, já que era meu sonho ser mãe. E também, como é tradição na novena, que escreva um pedido e o padre sempre fala que esses pedidos são queimados, no último dia da novena, e que a fumaça é levada aos céus. Então eu escrevi o pedido, com muita fé, acreditando que um dia eu poderia receber essa graça. E em agosto de 2010 me veio a notícia que eu estava grávida sem nenhum tratamento”, conta. E contrariando as previsões médicas, mais uma vez, ela espera agora por outra filha. “Essa gravidez é a comprovação da cura, do milagre que eu recebi porque mais uma vez, sem tratamento nenhum, estou grávida esperando mais uma menina. Graças ao Padre Victor”, agradece a professora. Segundo a médica Márcia Andreia, que atendeu Maria Isabel à época, a gravidez dela não era possível de forma natural porque a paciente não tem uma das trompas e a outra é totalmente obstruída.
Dom Diamantino Prata de Carvalho, OFM, sétimo bispo da Campanha, resume a devoção ao sacerdote beato assim: “Zeloso na cura das almas, dedicava-se, com ternura aos desvalidos e pobres, repartindo com eles as esmolas recebidas. Praticante das virtudes, foi exímio na humildade e vivenciou os conselhos evangélicos. A prática da caridade o tornou popular. Sua fama de virtuoso espalhou-se e era chamado a toda parte para atender aos doentes”.
O Beato Padre Victor inovou na ação evangelizadora de seu tempo sendo ele próprio o formador das crianças, dos jovens e dos adultos, como exímio catequista, instruindo o povo na fé e dando-lhe educação em tempos em que esta graça era apenas para as pessoas abastadas. Em sua Escola Sagrada Família estudavam todos, principalmente os pobres.
Neste dia 23 de setembro os olhares da Igreja se voltam para a Igreja Matriz de Nossa Senhora D’Ajuda, em Três Pontas. Agradecidos a Deus pelo ingente trabalho do Beato Padre Francisco de Paula Victor, como educador da juventude, homem avançado em seu tempo em que deu aos jovens educação, lazer e cultura. Por isso, agradecidos, diante dos restos mortais do Beato Padre Victor queremos confiar à sua poderosa intercessão e generoso exemplo, todos os jovens do Brasil, nas vésperas da abertura do Sínodo Extraordinário dos Bispos sobre a juventude. O Beato Padre Victor que instruiu na fé e deu educação aos jovens há de interceder junto de Deus para que nossos jovens, enamorados pelo Evangelho da Vida, sejam testemunhas credíveis do Evangelho e se comprometam com a Evangelização.
Que o Beato Padre Victor ajude nossa juventude a procurar os caminhos de Deus e serem testemunhas da nova evangelização, amém!
Beato Padre Victor, rogai por nós!
Orani João, Cardeal Tempesta, O. Cist.
Arcebispo Metropolitano de São Sebastião do Rio de Janeiro, RJ