O Evangelho do 25º domingo do tempo comum é dramático, pois revela a solidão de Jesus e a incapacidade nossa de compreender verdadeiramente a proposta do Senhor e caminhar com ele. “Jesus e seus discípulos atravessavam a Galileia. Ele não queria que ninguém soubesse disso, pois estava ensinando a seus discípulos”. Para onde caminha Jesus? Seu caminho irá terminar em Jerusalém; é para lá que ele, enfim, se dirigirá (cf. Mc 10,1), para enfrentar seu destino final de morte e ressurreição por amor. E o que Jesus ensina, a sós, aos seus discípulos? “O Filho do Homem vai ser entregue nas mãos dos homens, e eles o matarão. Mas, três dias após a sua morte, ele ressuscitará”. Jesus vai preparando seus discípulos para algo que eles de modo algum esperavam: o Messias não será aquele glorioso, como imaginavam, mas passará pela humilhação, pelo fracasso e pela cruz, como assinala a primeira leitura deste domingo (cf. Sb 2,12.17-20): “Os ímpios dizem: ‘Armemos ciladas… sua presença nos incomoda… Vejamos se é verdade o que ele diz. Se é filho de Deus, Deus o defenderá. Vamos pô-lo à prova com ofensas e torturas; vamos condená-lo à morte vergonhosa…”.
Em vários momentos do Antigo Testamento fala-se de uma sorte desastrosa para o Messias, mas nem Israel nem os discípulos prestavam atenção a isso; recordavam-se somente das passagens gloriosas, lembravam-se somente do que interessava… Por isso o evangelho diz que “os discípulos não compreendiam estas palavras e tinham medo de perguntar”(cf. Mc 9,32). Parece que Jesus falava (a fala) para surdos, que não conseguem de modo algum escutar realmente o que ele está dizendo… que não conseguem sintonizar realmente com o Senhor.
É terrível e trágico constatar a distância enorme entre o Mestre e os discípulos (cf. Mc 9,30-37), a falta de sintonia, de compreensão: no caminho, no caminho cristão, Jesus fala da cruz, da vida que ele entregará como serviço de amor (este é o caminho cristão, o caminho do cristão!); os discípulos falam de ser o maior, de glórias, de privilégios! Não é assim, ainda hoje? Não somos assim, no caminho? Não nos encontramos muitas vezes atolados nesta surdez, nesta cegueira, nesta falta de sintonia real com o Senhor? Quantas vezes estamos disputando poder uns com os outros? O caminho de Jesus é o do serviço que dá vida, que se entrega, que encontra, precisamente no servir, a liberdade e a plenitude. Num outro momento do evangelho, o Senhor nos adverte gravemente: “Sabeis que aqueles que vemos governar as nações as dominam, e os seus grandes as tiranizam. Entre vós não será assim: ao contrário, aquele que dentre vós quiser ser grande, seja o vosso servidor, e aquele que quiser ser o primeiro dentre vós, seja o servo de todos. Pois o Filho do Homem não veio para ser servido, mas para servir e dar a vida em resgate por muitos” (Mc 10,42-45).
A segunda leitura (Tg 3,16-4,3) é da Epístola de São Tiago: revela um quadro desolador: invejas, rivalidades, brigas na comunidade, conflitos interiores no coração dos cristãos… E por quê? Por que, ao invés de realmente abraçarmos o caminho do Senhor, que passa pela cruz como serviço de amor a Deus e aos outros, amor desinteressado, que, dando a vida, encontra vida, seguimos uma lógica perversa e pecaminosa, a lógica do homem velho, com suas paixões e seus desejos de posse, de domínio, de auto-afirmação: “Só quereis esbanjar o pedido nos vossos prazeres…” ou seja, buscais somente vossos interesses, totalmente desligados daquele que é o caminho proposto pelo Senhor Jesus. Esqueceis a exortação do Apóstolo São João: “Aquele que diz que permanece nele deve andar como ele andou” (1Jo 2,6).
O desafio atual para os cristãos é o mesmo de nossas origens, na Igreja primitiva: compreender e levar a sério a linguagem da cruz, a linguagem do amor que se doa, que acolhe, que não busca seu próprio interesse nem sua própria glória e satisfação, sobretudo se isso é às custas da dignidade e da felicidade do irmão. O desafio é levar a sério o caminho de Jesus. Aliás, esta tem sido uma constante advertência do Papa Francisco, que em sua missão apostólica está sempre nos advertindo dessa tentação.
“A sabedoria que vem do alto é, antes de tudo, pura, depois pacífica, modesta’conciliadora, cheia de misericórdia e de bons frutos, sem parcialidade e sem fingimento…” Esta sabedoria é que deveria nortear nossas relações como cristãos! Esta sabedoria, tão bendita, porque é fruto daquele amor-caridade que Jesus viveu e nos mandou viver: “o amor é paciente, a caridade á prestativo, não é invejoso, não se ostenta, não se incha de orgulho. Nada faz de inconveniente, não procura o seu próprio interesse, não se irrita, não guarda rancor. Não se alegra com a injustiça, mas se regozija com a verdade. Tudo desculpa, tudo crê, tudo espera, tudo suporta”. Que o Senhor que, tendo-nos amado, amou-nos até o extremo (cf. Jo 13,1), no-lo conceda, para que sejamos realmente seus discípulos, com palavras e com a vida. Amém!
Orani João, Cardeal Tempesta, O. Cist.
Arcebispo Metropolitano de São Sebastião do Rio de Janeiro, RJ