O jejum é uma das práticas espirituais que podemos realizar durante o período da Quaresma, de tal maneira não podemos pensar o jejum sem a oração e sem a caridade. A oração vai me dar forças para que eu possa praticar o meu jejum, e o meu jejum só vai ter valor a partir da minha relação com Deus. E a caridade seria como um fruto do meu jejum, pois aquele alimento que deixei de comer, eu posso doar para instituições carentes, como orfanatos e asilos. Temos também a tradição de doar no domingo de Ramos, na coleta pela solidariedade como gesto concreto da Campanha da Fraternidade.
O jejum não necessariamente precisa ser de alimento. Existem outras formas de realizarmos o jejum. Se eu fico muito tempo no celular e na internet, eu posso me abster entrando menos vezes na internet ou redes sociais. Se eu fico muito assistindo televisão, posso assistir menos durante o dia e me dedicar mais à oração. Se eu passo boa parte do meu dia falando mal das outras pessoas, fazendo fofocas, eu posso fazer o jejum da língua, ou seja, ao invés de eu passar o dia falando mal das pessoas eu dedico esse tempo a Deus, na oração.
O jejum que agrada a Deus é aquele feito de coração, com sinceridade, que não é feito apenas por fazer ou para mostrar que fazemos. Acima de tudo, o jejum deve ser pautado pela Palavra de Deus: “Quando jejuarem, não mostrem uma aparência triste como os hipócritas, pois eles mudam a aparência do rosto a fim de que os outros vejam que eles estão jejuando. Eu digo verdadeiramente que eles já receberam sua plena recompensa. Ao jejuar, arrume o cabelo e lave o rosto, para que não pareça aos outros que você está jejuando, mas apenas a seu Pai, que vê em secreto. E seu Pai, que vê em secreto, o recompensará”. (cf. Mt 6,16-18).
O jejum não consiste em passar fome, pois esta forma de jejum também não agrada a Deus. O jejum alimentar consiste em nos abstermos de alguma das três refeições do dia ou de algum alimento, como por exemplo, a carne vermelha, doces e refrigerante.
A lei eclesiástica do jejum contempla todos os homens e mulheres que tiverem completado 18 anos até os 59 completos. Os outros podem fazer, mas sem obrigação. Grávidas e doentes estão dispensados do jejum, bem como aqueles que desenvolvem árduo trabalho braçal ou intelectual no dia do jejum. Portanto, o jejum na Quarta-feira de Cinzas e na Sexta-feira Santa é obrigação para os batizados e também da abstinência que devem se abster de carne vermelha. Mas podemos realiza-lo durante todo o tempo quaresmal e, sobretudo, às sextas-feiras. Recordando assim, o dia da entrega de Jesus na cruz por nós. Podendo substituir a carne vermelha por peixe ou ovos ou até mesmo nos abstendo de alguma refeição do dia.
O 4º Mandamento da Igreja, o qual diz que cada um deve “jejuar e abster-se de carne, quando manda a Santa Mãe Igreja”, o Código de Direito Canônico deixa estipulado o que devemos viver nos dias penitenciais (cf. cân. 1249-1253):
Cân. 1249: Todos os fiéis, cada qual a seu modo, estão obrigados por lei divina a fazer penitência; mas, para que todos estejam unidos mediante certa observância comum da penitência, são prescritos dias penitenciais, em que os fiéis se dediquem de modo especial à oração, façam obras de piedade e caridade, renunciem a si mesmos, cumprindo ainda mais fielmente as próprias obrigações e observando principalmente o jejum e a abstinência, de acordo com os cânones seguintes.
Cân. 1250: Os dias e tempos penitenciais, em toda a Igreja, são todas as sextas-feiras do ano e o tempo da Quaresma.
Cân. 1251: Observe-se a abstinência de carne ou de outro alimento, segundo as prescrições da Conferência dos Bispos, em todas as sextas-feiras do ano, a não ser que coincidam com algum dia enumerado entre as solenidades; observem-se a abstinência e o jejum na Quarta-feira de Cinzas e na Sexta-feira da Paixão e Morte de Nosso Senhor Jesus Cristo.
No que se refere ao cânon 1251, a CNBB permite a substituição da abstinência de carne por uma obra de caridade, um ato de piedade ou comutar a carne por um outro alimento, realidade prevista pelo cânon 1253, que diz: “a Conferência dos Bispos pode determinar mais exatamente a observância do jejum e da abstinência, como também substituí-la, totalmente ou em parte, por outras formas de penitência, principalmente, por obras de caridade e exercícios de piedade.”
O jejum consiste em fazer uma refeição forte por dia, enquanto a abstinência consiste em não comer carne. Com ambos os sacrifícios, reconhecemos a necessidade de fazer obras para reparar o dano causado por nossos pecados e para o bem da Igreja. O jejum não proíbe de tomar um pouco de alimento na parte da manhã e à noite. É obrigatório dos 18 aos 59 anos.
Os padres da Igreja falam da força do jejum, capaz de impedir o pecado, de reprimir os desejos do ‘velho Adão’, e de abrir no coração do crente o caminho para Deus. (cf. mensagem de Bento XVI para a Quaresma de 2009).
Por outro lado, a abstinência, embora proíba o consumo de carne, não é o caso de ovos, leite e qualquer condimento feito a partir de gorduras animais. O jejum é obrigatório a partir de 14 anos de idade. A abstinência de carne deve ser observada em toda e cada sexta-feira da Quaresma, a não ser que coincida com uma solenidade no dia (como em 19 e 25 de março). Em todas as outras sextas-feiras do ano, a menos que caiam em uma solenidade, deve-se também observar a abstinência no sentido aqui exposto ou realizar alguma obra de penitência, oração ou caridade.
Portanto, façamos o esforço ascético de fazermos bem e de coração o nosso propósito de jejum nesta Quaresma, lembrando sempre por quem nós o fazemos, acolhendo o dom da graça de Deus em Jesus Cristo que morreu pelos nossos pecados no sacrifício de amor por nós na cruz. Um jejum tendo sempre o fundamento na oração, para que o possamos cumprir e o Senhor esteja sempre conosco.
Que Deus nos abençoe nessa caminhada quaresmal rumo à Páscoa para podermos chegar lá mais Santose transformados pela graça de Deus.
Orani João, Cardeal Tempesta, O. Cist.
Arcebispo Metropolitano de São Sebastião do Rio de Janeiro, RJ