Estamos celebrando o XXIII Domingo do Tempo Comum. Iniciamos o mês da Bíblia e vivemos o evento ecumênico “tempo da criação”. Aqui em nossa arquidiocese vivemos o centenário do Congresso Eucarístico com eventos especiais. O Senhor nos convida a estar com Ele na comunidade de fé. Qual será seu desejo neste dia e no convite que Ele nos faz? De fato, precisamos do socorro do Senhor, pois, nossos pensamentos são pequenos e não enxergamos os nossos horizontes! O recado de Jesus é sério e exigente: “Quem não carrega a sua cruz e não caminha atrás de mim não pode ser meu discípulo!” O amor de Jesus por nós não é um amor de “faz de conta”! Ele morreu por nós derramando todo o seu Sangue por nós! O amor de Jesus é sério e exigente, mas exige em troca caminhar atrás d’Ele colocando nossos pés em suas pegadas.
A primeira leitura – Sb 9,13-18 – aconselha-nos a humildade e o reconhecimento que nosso pensamento é pequeno demais para entender os mistérios de nosso Deus! Precisamos da sabedoria de Deus para entender os desígnios de Deus a nosso respeito!
Na segunda leitura – Fm 9b-10.12-17 – Onésimo era um escravo fugido, que o Apóstolo Paulo converteu na prisão e, agora, procura devolvê-lo a seu dono, mas convertido pedindo-lhe que o acolhesse como irmão no Senhor! O amor cristão converte e liberta as pessoas. É maravilhoso! O Apóstolo Paulo não perde tempo nem na prisão! Converteu o escravo Onésimo e, depois, o devolveu ao antigo dono. Foi devolvido, “não como escravo”, mas muito mais do que isso, como um irmão querido, muitíssimo querido para mim quanto ele o for para ti, tanto como pessoa humana quanto como irmão no Senhor! A paz social, tanto na pequena como na grande sociedade, somente é possível quando Deus estiver presente! Dá para entender porque o mundo não tem paz?
O Evangelho – Lc 14, 25-33 –ensina que a verdadeira sabedoria, que nos leva à salvação, consiste no seguimento radical de Cristo; multidões O seguiam e Jesus voltando-se, disse-lhes: “Se alguém vem a Mim, e não odeia pai e mãe, mulher, filhos, irmãos, irmãs e até a própria vida, não pode ser Meu discípulo”.
Odiar na linguagem bíblica, ou renunciar, segundo o uso semítico, significa amar menos, pospor, como se pode apreciar no texto paralelo de Mt 10, 37: “Quem amar o pai ou a mãe mais do que a Mim, não é digno de Mim”. “Amar a Deus sobre todas as coisas”! Só Deus tem o direito ao primado absoluto no coração e na vida do homem; Jesus é Deus e, por conseguinte, é lógico que o exija como condição indispensável para ser Seu discípulo.
“Mas o Senhor, comenta Santo Ambrósio, não manda nem desconhecer a natureza nem ser escravo dela; manda atender à natureza de tal maneira que se venere o Seu Autor e não se afastar de Deus por amor aos pais”. Isto é válido para todos, mesmo para os simples cristãos, como para todos é válida também a frase seguinte: “Quem não carrega sua Cruz e não caminha atrás de Mim, não pode ser meu discípulo” (Lc 14, 27).
Jesus vai a caminho de Jerusalém onde será crucificado e, à multidão que O segue, declara a necessidade de levar a Cruz com amor e constância. Ele levou a Cruz até morrer pregado nela; o cristão não pode pensar em levá-la só em alguns momentos da vida, mas terá que abraçá-la todos os dias, até à morte.
No Evangelho de hoje, a palavra “discípulo” aparece três vezes (Cf. Lc 14, 26.27.33); em todas elas o discípulo aparece como alguém que deve renunciar algo ou alguém. Não será uma visão um pouco negativa? Para compreender melhor a nossa vocação de discípulos do Senhor vale a pena aprofundar um pouco o Novo Testamento.
E o que é ser discípulo? É colocar-se no caminho dele, é renunciar a decidir por si mesmo que rumo dar à sua vida, para seguir o caminho do Mestre, colocando os pés nos seus passos; ser discípulo é se renunciar para ser em Jesus, pensando como ele, vivendo como ele, agindo como ele… Ser discípulo é fazer de Jesus o tudo, o fundamento da própria existência: “Qualquer um de vós, se não renunciar a tudo que tem, a tudo que é, à sua própria segurança, ao seu próprio modo de pensar, não pode ser meu discípulo!”.
Uma segunda característica do discípulo de Jesus encontra-se no contexto das bem-aventuranças, cuja chave de interpretação é o mandato de Cristo para que sejamos santos: “perfeitos como vosso Pai celeste” (Mt 5,48). Outra maneira de expressar a santidade querida por Jesus é a descrição que São Marcos faz da escolha dos Doze: “designou doze dentre eles para ficar em sua companhia” (Mc 3,14). Santidade é estar na companhia de Jesus, junto a ele e compartir a sua mesma vida. A renúncia, portanto, é para que possamos viver essa vida nova à imitação do Divino Mestre.
O Jesus que fala é o mesmo que manda amar os outros com a própria alma e entrega a Sua vida pelos homens. A frase, “se não odiar pai e mãe…” indica simplesmente que perante Deus não cabem meias-tintas. Poderiam traduzir-se as palavras de Cristo por amar mais, amar melhor, ou então por não amar com amor egoísta nem também com um amor de vistas curtas: devemos amar com o Amor de Deus.
O Senhor termina este discurso insistindo nos bens imperecíveis a que devemos aspirar. Lembra-nos a Lumen Gentium, nº. 42: “Todos os cristãos são, pois, chamados e obrigados a tender à santidade e perfeição do próprio estado. Procurem, por isso, ordenar retamente os próprios afetos, para não serem impedidos de avançar na perfeição da caridade pelo uso das coisas terrenas e pelo apego às riquezas, em oposição ao espírito da pobreza evangélica, segundo o conselho do Apóstolo: “os que usam deste mundo, como se dele não usassem. Pois a figura deste mundo passa” (1Cor 7, 31).
Vivamos intensamente o mês da Bíblia e que a Palavra de Deus seja sempre a luz para os nossos pés e a lâmpada para os nossos caminhos!
Orani João, Cardeal Tempesta, O. Cist.
Arcebispo Metropolitano de São Sebastião do Rio de Janeiro, RJ