Em tempos de Internet e de mídias sociais, a comunicação tornou-se um fato corriqueiro. Aquilo que, no passado, estava ao alcance de uns poucos escritores e comunicadores, tornou-se acessível a qualquer cidadão que tenha nas mãos um celular ou um tablet. Como resultado, assistimos a uma onda, sem precedentes na história, de comunicação e de opiniões.
Há o lado bom nessa democratização da comunicação da comunicação, que não deve mesmo ser um privilégio de poucos, mas um direito de toda pessoa. E os modernos meios técnicos deram ao cidadão comum a possibilidade de se manifestar e de expressar sua opinião com autonomia e liberdade.
A universalização e a democratização da comunicação, no entanto, também possuem um lado que merece particular reflexão, pois nem toda comunicação é positiva e construtiva para o bem comum. Há muito lixo na mídia e também muita difusão de ódio e preconceito contra pessoas e instituições. As novas possibilidades técnicas das mídias atraem grupos sectários, que formam guetos fanáticos, aparentemente fora da vigilância da sociedade, onde se crescem fermentos de ódio e preconceito, podendo levar à prática de ações antissociais e se tornar uma ameaça à convivência pacífica e à segurança das pessoas.
A comunicação verdadeira só acontece quando há dois polos ativos: um emissor e um receptor. Se isso, não há verdadeira comunicação mas uma verdadeira “balbúrdia comunicativa”, com muita emissão de mensagens e pouca recepção das mesmas. Muitas vezes faltam a serena escuta e o discernimento crítico das mensagens emitidas continuamente, como tsunamis a invadir todos os preciosos instantes à nossa disposição.
No Evangelho, lemos como Jesus curou um surdo-mudo (cf Mc 7,31,-37). Primeiro, tocou-lhe os ouvidos e ordenou: “efatá!” – palavra grega que significa “abre-te!” Em seguida, tocou-lhe também a língua, para que o homem começasse a falar. Primeiro, Jesus lhe restitui a capacidade de ouvir. Depois, também de falar. Essa sequência de gestos de Jesus na cura do homem surdo-mudo seria mera casualidade?
Não há verdadeira comunicação, sem escuta. E não há sabedoria no falar, sem primeiro escutar. Escutar as pessoas, com o desejo sincero de compreender as razões do interlocutor. Escutar com paciência e verdadeira empatia. Não temos tempo e já não estamos mais acostumados a ouvir; temos sempre a resposta pronta na ponta da língua, sem antes escutar com atenção. Escutar com os ouvidos, a inteligência e o coração.
A ordem de Jesus – “abre-te!” – não foi dada à orelha, nem ao ouvido daquele homem, mas à sua pessoa. Abrir-se para ouvir, é também acolher a pessoa do interlocutor, sem preconceitos e fechamentos ideológicos nem fanatismos fechados. Ouvir, inclusive, com o desejo de aprender de quem discordamos. De fato, ouvir não requer necessariamente que concordemos com aquilo que ouvimos. Ouvir é o primeiro ato de respeito e consideração pela pessoa que se dirige a nós. Depois de ouvir, temos também o direito de falar, sempre que isso for oportuno e edificante. Ainda vale o ditado da sabedoria popular, segundo o qual a palavra é de prata, mas o silêncio é de ouro…
Isso vale também para nossas atitudes religiosas. O povo de Deus é chamado a ouvir e obedecer a Deus: “ouve, Israel…” (cf Êx 23,21; Dt. 6,4). Quantas vezes, nossa relação com Deus fica restrita a um infinito falar e dirigir palavras a Deus! Estamos pouco acostumados a “escutar Deus”… Na Escritura, os profetas, com frequência, chamam a atenção da surdez do povo, dos ouvidos endurecidos e fechados para Deus: “ouve, Israel, o teu Senhor!” (cf Ne 9,17; Jr 7,13, Zc 7,13). “Ah, se hoje ouvísseis a sua voz…” O próprio Deus é alguém que escuta e atende o seu povo quando clama… A consequência do não–ouvir Deus levou o povo a fazer escolhas erradas por caminhos desastrosos e muito sofrimento.
Não é diferente no Novo Testamento, onde Jesus convida: “quem tem ouvidos para ouvir, ouça!” (Mt 13,9; Lc 8,8) e a Igreja é chamada a “ouvir o que o Espírito diz” (cf Ap 2,7.11). Ouvir, torna sábios e prudentes e leva a uma das atitudes mais necessárias na religião: a humildade e a obediência a Deus. “Quem é de Deus, ouve as palavras de Deus” (Jo 68,47). E a quem ouve Deus nesta vida e lhe obedece, são prometidas coisas belíssimas, que ouvido nenhum jamais ouviu” neste mundo (cf 1Cor 2,9). Será feliz por todo o sempre, quem ouvir as palavras que vêm de Deus (cf Ap 3,20).
Cardeal Odilo Pedro Scherer
Arcebispo de São Paulo