A liturgia do 24º. Domingo do Tempo Comum centra a nossa reflexão na lógica do amor de Deus. Sugere que Deus ama o homem, infinita e incondicionalmente; e que nem o pecado nos afasta desse amor. Tanto as duas leituras quanto as três parábolas do Evangelho possuem uma palavra-chave: “Misericórdia”. Segundo São Lucas, Jesus veio procurar e recuperar o que estava perdido. Jesus contou essas três parábolas, porque os escribas e fariseus murmuravam entre si: Ele acolhia os pecadores e tomava refeição com eles. Jesus não marginalizava ninguém e jamais fazia acepção de pessoas. Essa maneira de agir é a conduta de Deus Pai, que acolhe os perdidos, os marginalizados.
A primeira leitura(Cf. Ex 32,7-11.13-14) apresenta-nos a atitude misericordiosa de Deus face à infidelidade do Povo. Neste episódio – situado no Sinai, no espaço geográfico da aliança – Deus assume uma atitude que se vai repetir vezes sem conta ao longo da história da salvação: deixa que o amor se sobreponha à vontade de punir o pecador. O profeta Ezequiel já dizia: “Deus não quer a morte do pecador, mas que se converta e viva”(Cf. Ez 33,11).
Na segunda leitura(Cf. 1Tm 1,12-17), São Paulo recorda algo que nunca deixou de o espantar: o amor de Deus manifestado em Jesus Cristo. Esse amor derrama-se incondicionalmente sobre os pecadores, transforma-os e torna-os pessoas novas. Paulo é um exemplo concreto dessa lógica de Deus; por isso, não deixará de testemunhar o amor de Deus e de Lhe agradecer. São Paulo destaca que: “Cristo veio ao mundo para salvar os pecadores. E sou o pior de todos. Por isso encontrei misericórdia, para que em mim, como o pior pecador, Cristo Jesus demonstrasse toda a grandeza de seu coração”(Cf. 1Tm 15-16). Sejamos misericordiosos como Deus é misericordioso!
O Evangelho(Cf. Lc 15,1-32) apresenta-nos o Deus que ama todos os homens e que, de forma especial, Se preocupa com os pecadores, com os excluídos, com os marginalizados. A parábola do “filho pródigo”, em especial, apresenta Deus como um pai que espera ansiosamente o regresso do filho rebelde, que o abraça quando o avista, que o faz reentrar em sua casa e que faz uma grande festa para celebrar o reencontro. Jesus é a imagem e o espelho do rosto e do coração amoroso e misericordioso de Deus. O livro da Sabedoria menciona: “Deus se compadece de todos porque pode tudo, fecha os olhos aos pecados da pessoa pecadora para que se arrependa, perdoa-a e ama a todos os seres que ele próprio criou por amor, porque Deus é amigo da vida”(Cf. Sb 13,23ss). O que nos impressiona é que Deus, sendo o Santo, se compadece e perdoa; nós somos pecadores e somos intolerantes com aqueles que erram; somos, em verdade, mais rigorosos do que o próprio Deus! Se examinarmos nosso coração, vamos constatar que nele há pouca misericórdia. Contamos com a misericórdia de Deus e exigimos misericórdia dos outros, mas nós mesmos somos pouco ou nada misericordiosos. Temos muita dificuldade par perdoar e para aceitar quem pensa diferente da gente. E, pior, é quando perseguimos aqueles que nos fazem sombra? Se alguém nos faz uma sombra ou ofensa, ou nos humilha, ficamos magoados e ressentidos por semanas, meses e até anos, ou riscamos estas pessoas de nossa lista de afetos.
O Senhor é bom para com todos e, misericordioso para todas as suas criaturas (Sl 144,8s) É por seu amor misericordioso que o Deus de Jesus move à conversão e ao reencontro com a vida plena. Assim a parábola do Pai Misericordioso vai mostrar como Deus pai age diante do filho pecador. A situação que relata é absolutamente real e facilmente encontrável em qualquer família humana. Um homem tinha dois filhos. Um pede a parte na herança e vai embora. Gasta os bens, passa fome e resolve pedir para voltar para que viva apenas como empregado de seu pai – ele sabe que errou muito e que, por ser um homem justo, seu pai não deixava os empregados passar fome; por isso, quer viver ali nem que seja como um deles, para não morrer de forme. O pai, contudo, vai além: não só o recebe como o aceita novamente e o coloca no lugar onde sempre esteve: o de seu filho. O outro filho – que permanecera fiel ao pai – cobra, sente inveja, sente raiva. E o pai o convida a participar daquela festa, porque seu irmão havia sido recuperado e a família estava novamente composta.
Como é o processo de conversão? O processo de conversão começa com a tomada de consciência: o filho mais novo sente-se perdido econômica e moralmente. A acolhida do pai e as medidas tomadas mostram não só o perdão, mas também o restabelecimento da dignidade de filho. É necessário, filho, que te alegres: teu irmão estava morto e reviveu, perdido e foi achado. O filho mais velho é justo e perseverante, mas é incapaz de aceitar a volta do irmão e o amor do pai que o acolheu. Recusa-se a participar da alegria. Esta é a tua é minha atitude quando tachados de corretos e justos não aceitamos no nosso meio todos os que arrependidos nos pedem desculpas e perdão pelas falhas cometidas. Jesus nos faz apelo supremo para que assim como os doutores da Lei e os fariseus deveriam aceitar e partilhar da alegria de Deus pela volta dos pecadores assim tu, assim eu devemos nos alegrar com o arrependimento, a conversão e o retorno à dignidade da vida dos nossos irmãos e irmãs.
O pai é o mesmo e age de forma idêntica, lida ao encontro dos dois filhos. A diferença está tão-somente na atitude dos irmãos. Um se reconhece pecador e muda de vida, o outro se julga justo e não se deixa transformar; pelo contrário, fecha-se à imensa misericórdia do pai, escandalizando-se sem motivo e bloqueando-se na sua revolta. O Senhor nos revela que a dinâmica do perdão renova o íntimo do ser humano e o torna capaz de alcançar a sua plena misericórdia! Sejamos misericordiosos. Julguemos pouco ou nada e acolhemos em plenitude a todos, sempre!
+ Eurico dos Santos Veloso
Arcebispo Emérito de Juiz de Fora, MG