Uma conhecida música da MPB (Música Popular Brasileira) diz que “é impossível ser feliz sozinho”! Entendendo-se que esse “sozinho” é a ausência completa de contatos humanos, de amizades, de relacionamentos, ou seja, de vida entre seres humanos, ela está correta.
Levando a reflexão para o campo da Teologia, encontramos justificativas bem pertinentes: primeiro, Deus é único em sua divindade, mas comporta três pessoas que vivem em estreita relação de amor. Podemos dizer que parte da essência de Deus é manter-se em relacionamento estreito e indivisível constantemente. Deus é único, mas não é solitário, não é “feliz sozinho”…
E por que isso? Porque Ele é uma relação de amor, ou melhor, “Deus é Amor” (1Jo 4,8). O amor é naturalmente envolvente e expansivo, é a segunda justificativa. Possui a maior força de coesão que existe, fortalece e torna os laços indissolúveis e, ao mesmo tempo, carrega em si uma capacidade imensa de doação, de ser expansivo, de querer se espalhar.
Santo Tomás de Aquino ensina que Deus, em sua imensa bondade, quis estabelecer uma lei que fosse acessível a todos, não importa de que parte do planeta fosse ou qual o nível de escolaridade a que a pessoa tivesse acesso. Esta “lei” que serve para letrados e analfabetos, ricos e pobres, é a lei do Amor. Acessível a todos os homens e mulheres de boa vontade.
Deus, que é Amor, é a fonte da família
O Amor é, portanto, um dom de Deus, porque Ele é a fonte de todo verdadeiro amor, e também é um mandamento, o novo mandamento dado por Jesus (Jo 13,34), a nova lei: “Amai-vos uns aos outros, como eu vos amei”.
Não satisfeito em simplificar a lei ao máximo, instituiu o Sacramento do Matrimônio para que essa lei pudesse ser aprendida na prática, na família. O verdadeiro mestre transforma a união carnal entre homem e mulher, conhecida por sua capacidade de geração, numa “fábrica” de amor. Não basta estar junto, precisa-se exercitar o amor. Não basta viver o amor entre os cônjuges, precisa-se expandi-lo gerando filhos. Não basta gerar os filhos, precisa-se amá-los com amor incondicional. E, finalmente, não basta amá-los, precisa-se ensiná-los a amar!
Com o objetivo de nos ajudar a viver tudo isso, o Papa Francisco lançou a Exortação Apostólica Amoris Laetitia ou “a alegria do Amor”. E, como bom discípulo do grande mestre, não só orientou, mas convidou-nos a vivê-la na prática neste Ano “Família Amoris Laetitia”. Um ano de exercício prático do amor no seio das famílias. Porque, como já deu para entender, a família é o grande projeto de ensinamento e vivência do Amor no mundo. Um amor que precisa ser exercitado.
Claro que, quanto mais completa puder ser a família, melhor. O próprio Papa Francisco, em todo o seu pontificado, tem lembrado da importância fundamental das pessoas de mais idade, os “nossos avós” como ele mesmo se refere, na vivência familiar e social. Que amor maduro e provado, poderia dizer “bem temperado”, que os avós oferecem aos netos e a toda a família! Um amor que é completa doação e nenhuma posse. Pais, filhos, avós… Que maravilha aqueles que conseguem expandir a convivência familiar com tios, primos, sobrinho! A alegria do amor em família é o grande motor da sociedade e do mundo! Os chamados “avanços científicos” não produzem os mesmos frutos.
Nossa família diz o que somos e quem somos
Aqueles que, por inúmeros motivos, não possuem mais uma família completa, não se entristeçam. Um homem sem um braço continua sendo um verdadeiro homem; e uma mulher sem uma perna não perde em nada sua dignidade. É o que fazemos com as “outras partes” do nosso corpo ou como vivemos com o restante de “nossa família” que diz verdadeiramente o que somos e quem somos. Agora, por favor, não vamos cair na armadilha de divulgar que os homens e mulheres não precisam mais de pernas e braços ou que um pai ou uma mãe em uma família é um “acessório” dispensável e supérfluo.
Retomo o exemplo para não deixar dúvidas: se algum ou vários de meus membros precisarem ser amputados para salvar a minha vida, o que importa é o objetivo de preservação. Não existe vergonha ou erro nisso. Mas outra coisa bem diferente, é procurarmos um açougueiro (porque nenhum médico faria este tipo de serviço) e pedirmos para retirar partes de nosso corpo que “não consideramos necessárias”, porque existem exemplos bem sucedidos de pessoas que não enxergam mais, não ouvem mais, não conseguem andar etc. Transformar a exceção (por melhor que seja) em regra é distorcer completamente a regra.
Amar é doar-se em sacrifício e acolhimento constantes
Por último, aqueles que realmente tem a experiência de viver em família, sabem a que me refiro quando digo “amor”. Para os outros, devo dizer que não falo aqui do sentimento de que tudo é lindo, tudo ocorre em perfeita harmonia o tempo todo e sempre de acordo com a minha vontade imediata. Amor não é sentimento, não é paixão, não é quando fazem a nossa vontade.
Sabemos que é verdadeiro amor, e que nos amam, quando existe doação (de tempo, de vontade), quando existe sacrifício, abnegação, acolhimento e apoio constante. Mesmo com broncas, mesmo com correções, mas sem desistir. Tudo isso se resume na frase: “família é para sempre”. Na prática, quer dizer que: aconteça o que acontecer o amor irá prevalecer. Não gosto e não concordo, mas te amo! Quero (e preciso) te respeitar!
Se aprendermos a viver a Alegria do Amor dentro de nossas famílias, certamente construiremos, indiretamente, uma sociedade muito melhor. O que está nos faltando é este tempo de treino familiar.
Flávio Crepaldi
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