Nenhuma dor humana supera a dor indescritível da perda de um filho!
As leis da lógica da vida são quebradas: aquele que deveria ser amparo e sobreviver aos próprios pais se antecipa a eles, ao experimentar o mistério da morte!
Com o filho, morre um pedaço do coração de seus pais. Abre-se um vazio imensurável na morada do Amor, um vazio que nada pode preencher, um vazio semelhante à erosão nas montanhas, que aumenta com o tempo.
Dizia meu querido pai: “a morte de um filho é como o tirar uma gaveta de um armário. Não se consegue mais chegar perto do armário sem perceber que lhe falta uma gaveta. O tempo passa, mas a gaveta não está mais lá”. Essa dor, o tempo não consegue destruir.
O que dizer aos pais em tais circunstâncias?
Conformarem-se, simplesmente?
Não há como!
Encontramo-nos diante de duas realidades antagônicas: o dom de um filho e sua perda. Quanto mais amargas forem as lágrimas derramadas na ocasião da morte de um filho, maior foi o dom de Deus nele recebido!
Não podemos nos esquecer, contudo, de que ninguém tem um filho. Ele não é, nem pode ser, possuído. Ele é um Dom de Deus, um presente com que o Criador brinda aqueles que se uniram no amor, para serem, com Ele, Seus Cocriadores.
Os desígnios da misericórdia divina são imperscrutáveis à mente humana. Superam a nossa razão. Não conseguimos entender e, às vezes, temos dificuldade até de aceitá-los.
Tudo o que é criado é limitado. O próprio tempo é limitado. Quase todo limite traz sofrimento a quem o experimenta. Nesta vida, somente o amor não tem limites. O amor tende, por sua própria natureza, ao infinito. Ninguém amou o bastante. E, porque ilimitado, o amor não se curva à morte. Ela retira o ser amado dos braços de seus queridos, mas não tem o poder de tirá-lo dos corações que o amaram. A pessoa se ausenta fisicamente, mas o amor, que é espiritual, permanece nos corações de seus pais, apesar de não poderem mais expressá-lo fisicamente. É a dor a que chamamos saudade. Essa saudade resultante de um vazio deixado pela morte torna-se mais pungente porque emerge em meio a um grande paradoxo: não morremos nos corações que, verdadeiramente, nos amaram; nestes somos eternizados.
O que conforta a pessoa cristã, nesta circunstância, é saber, com segurança, que aquele que partiu continua vivo não na memória daqueles que o amaram, mas em Deus. Não o vemos mais. Ele atravessou a cortina do tempo e penetrou na eternidade, na alegria, na festa eterna e sem fim; está agora na contemplação do Deus Amor. Conforta-nos, sobretudo, a certeza da ressurreição, que nos é garantida pela morte e ressurreição de Jesus Cristo, que cortou o aguilhão da morte, como se corta o ferrão de um escorpião. O escorpião está ali, mas, sem o ferrão, não mata mais. A morte não mata mais, a pessoa continua viva em Deus. A morte foi tragada pela vitória; onde está, ó morte, a tua vitória? onde está, ó morte, o teu aguilhão (1Cor 15, 54 – 55)? Conforta-nos o saber que voltaremos a nos encontrar em Deus, quando cada um de nós terminar seu tempo na terra. A separação é, pois, passageira.
Embora o coração arda na dor, a inteligência nos leva à gratidão. Novamente a contradição: agradecer na perda e na dor. Agradecer a Deus pelo dom precioso do filho, com todas as suas qualidades, na sua capacidade de amar pelo tempo que ele aqui permaneceu. Queríamos mais, mais tempo! Sem dúvida! Tal desejo é inerente à natureza humana, pois o filho é, também, a maior alegria que uma pessoa pode experimentar na terra. Nada, entre os dons terrenos que recebemos, se sobrepõe a isso. O filho é uma das maiores expressões do carinho de Deus para conosco.
Lembremo-nos de Abraão, que, em Moriá, subiu ao monte para oferecer a Deus seu filho, em holocausto. O sacrifício não foi consumado. Um Anjo do Senhor trouxe um cordeiro para ser sacrificado. Por tal amor desprendido, Deus abençoou Abraão, em sua fé e generosidade (Gn 22, 1 – 18).
Hoje, nesta pandemia cruel e terrível, muitos filhos são arrebatados sem o consentimento e contra a vontade de seus pais. Sacrifício consumado, contudo, os pais, com o coração sangrando, podem oferecer a Deus a dor da perda do filho querido, unindo sua dor, de pais desolados, ao sofrimento redentor de Jesus Cristo na cruz.
Assim como Deus não quis a morte de Isaac, filho de Abraão, Deus não quer a morte de nenhum dos filhos dos homens. Deus, que também experimentou a dor de sacrificar Seu filho para nos salvar, chora com a dor da humanidade nesta pandemia horrenda. Jesus também chorou à porta do túmulo de Lázaro, seu amigo (Jo 11, 33 – 36).
Os pais, no entanto, podem oferecer a Deus este sacrifício inaudito, agradecendo pelo tempo feliz em que este filho permaneceu com eles, oferecendo sua dor em holocausto, pedindo as bênçãos divinas para sua família, para a humanidade, pelo fim desta pandemia, e, sobretudo, pela participação do filho querido na festa eterna que Deus preparou para ele no Céu.
Dom João Bosco Óliver de Faria
Arcebispo Emérito de Diamantina
Presidente da Pró Saúde