A liturgia de hoje fala-nos (outra vez) de um Deus que ama e cujo amor nos desafia a ultrapassar as nossas escravidões para chegar à vida nova, à ressurreição.
A primeira leitura(cf. Is 43,16-21) apresenta-nos o Deus libertador, que acompanha com solicitude e amor a caminhada do seu Povo para a liberdade. Esse “caminho” é o paradigma dessa outra libertação que Deus nos convida a fazer neste tempo de Quaresma e que nos levará à Terra Prometida onde corre a vida nova.
A segunda leitura(cf. Fl 3,8-14) é um desafio a libertar-nos do “lixo” que impede a descoberta do fundamental: a comunhão com Cristo, a identificação com Cristo, princípio da nossa ressurreição.
O Evangelho(cf. Jo 8,1-11) diz-nos que, na perspectiva de Deus, não são o castigo e a intolerância que resolvem o problema do mal e do pecado; só o amor e a misericórdia geram ativamente vida e fazem nascer o homem novo. É esta lógica – a lógica de Deus – que somos convidados a assumir na nossa relação com os irmãos.
Porque nós lemos o Evangelho da mulher adúltera dentro da celebração da quaresma, tão próximo de iniciar a Semana Santa, ainda na abertura da Semana das Dores? Isso porque há uma ligação importante entre a história da mulher adúltera. Quatro são as colunas desta história sagrada: primeiro – que nenhum ser humano, por mais justo que se considere, tem o direito de condenar o outro. Quando Jesus proclama aos escribas e fariseus: “Quem dentre vós não tiver pecado, atire a primeira pedra”(cf. Jo 8,7) e todos “foram saindo um por um, a começar pelos mais velhos”(cf. Jo 8,9), percebemos a verdade da afirmação do Salmo: “Não há ninguém sem pecado; portanto, não há ninguém com direito de julgar. A segunda coluna é que Jesus está disposto a oferecer a todos os que pedem com sinceridade o perdão que concede à mulher adúltera. As suas palavras: “Eu também não te condeno”(cf. Jo 8,11), dirigido em primeiro lugar a uma determinada mulher, são palavras que o Senhor deseja dizer aos escribas e fariseus e igualmente a nós, cristãos de hoje. O perdão gratuito do Senhor não se limita a uma pobre pessoa desviada. Jesus é rico em misericórdia, com uma riqueza adequada a todas as nossas necessidades. A terceira coluna é que a abundância e prontidão do perdão de Jesus não pretendem negar a gravidade do pecado. Com seu triste pecado, a mulher adúltera conseguiu ofender de uma só vez a Deus, ao seu marido, ao homem com o qual teve relações e à comunidade que buscava viver segundo as normas morais da lei divina relevada no Sinai. Ela quebrou a aliança; de fato, quebrou várias alianças. É por isto que, ao despedir-se da mulher, Jesus acrescenta: “Vai e de agora em diante não peques mais”(Cf. Jo 8,11). Isso demonstra que o pecado é negócio sério. A quarta coluna pode ser colocada como uma pergunta: De onde veio o perdão que Jesus concedeu? De seu a negação da gravidade do pecado? De seu relativismo moral? Do seu jeito bonachão? Nada disso é verdadeiro, porque o preço do perdão daquela mulher, de todos nós, pecadores e que muitas vezes gostamos de apontar o pecado alheio e não modificamos nosso comportamento e nosso agir, é o sangue de Cristo, derramado no Calvário. É por isto que a história do pecado e do perdão da adúltera é proclamada no fim da Quaresma, antes da comemoração da morte litúrgica do Senhor.
E você já perdoou a quem o ofendeu? E você já procurou pedir perdão a quem você ofendeu ou tem perseguido insistentemente? A mulher adúltera… “Esta mulher foi apanhada em flagrante delito de adultério…” “Aquela martirizou o seu filho…” “Aquela deixou-o morrer de fome…” “Aquela outra…” …e as nossas mãos já estão cheias de pedras para a lapidar. Esta semana, a convite de Jesus, comecemos por olhar onde se situa o nosso pecado… De seguida, em relação a todas estas mulheres de hoje condenadas sem apelo, abramos o nosso coração à compreensão… à misericórdia… e talvez ao apoio na sua angústia.
Falando do perdão Santo Agostinho, diz que no fim duas pessoas estavam presentes na cena evangélica: a miséria e a misericórdia. Se ninguém a condenava, Jesus tampouco a condena. A lei divina foi transformada por esta sentença: sempre que o arrependimento seja sincero e o acompanhe o propósito de não pecar mais, o perdão será absoluto O passado é apagado e o futuro só depende do presente e das disposições do momento. A memória servirá para enaltecer a bondade de Deus que perdoa, sem exigir compensações e reditos pelo passado. Como está a tua consciência quando censuras o teu marido, esposa, filho, filha, pais, vizinho, colega, funcionário ou qualquer um com quem te encontras pelo caminho pelos mesmos delitos que nós usualmente cometemos e talvez até mais graves do que os que consegues enxergar dos outros? Lembro-te que muitas falhas erros que os outros cometem teriam solução na tua casa se nós os assumíssemos como nossos e nos empenhássemos a resolve-los. Até porque neles somente os contemplamos para criticá-los e não para ajuda na solução. Verdade ou mentira?
E, para nós padres e bispos, como está nossa relação com a autoridade: de colaboradores da ordem episcopal? Ou de homens, aterrorizados com o terrorismo jurídico ou com o clericalismo que nada liberta ou pouco sabe perdoar e recomeçar?
Praticar o amor de Cristo nos torna testemunhos e testemunhas de Jesus. Convido-te a te desfazer das multidões, nós gostamos de juntar pessoas, para criticar, fofocar, censurar e condenar. Aprendamos com Jesus e d’Ele o ir à procura da ovelha perdida, do filho pródigo, da pecadora, da adúltera, a excluída, e marginalizada dando-lhe uma oportunidade na vida. Pois a Glória de Deus é que o homem viva e viva para sempre. Perdoai e serás perdoado!
+ Eurico dos Santos Veloso
Arcebispo Emérito de Juiz de Fora, MG