A Festa da Transfiguração do Senhor, celebrada no Oriente desde o século V, celebra-se no Ocidente desde 1457. Situada antes do anúncio da Paixão e da Morte, a Transfiguração prepara os Apóstolos para a compreensão desse mistério. Quase com o mesmo objetivo, a Igreja celebra esta festa quarenta dias antes da Exaltação da Cruz, a 14 de Setembro. A Transfiguração, manifestação da vida divina, que está em Jesus, é uma antecipação do esplendor, que encherá a noite da Páscoa. Os Apóstolos, quando virem Jesus na sua condição de Servo, não poderão esquecer a sua condição divina.
A Transfiguração é prefiguração da glória futura de Jesus. São Mateus acentua que o rosto de Jesus brilhou como o sol e suas roupas ficaram brancas como a luz. O rosto brilhante de Jesus é o rosto do Pai que se revela à humanidade, representada pelos Discípulos. Jesus é contemplado falando com Moisés e Elias. Ele é a síntese e o ápice da Lei e dos profetas. É a própria Lei de Deus que se revela como amor aos humanos, ensinando-os a amar como Ele amou, até a infâmia da morte de cruz.
A voz celeste, ao dirigir-se aos Discípulos, assegura que Jesus é o Filho amado, aquele que agrada ao Pai: é o Salvador, o Messias servo, pobre e obediente até a morte.
Os Discípulos devem escutar e seguir o que Ele diz e ensina, porque em Jesus repousa o projeto salvífico do Pai. Nesse sentido, a Transfiguração toma feições pedagógicas. Após ter anunciado sua Paixão (Mt 16,21-23) e exposto aos Discípulos as exigências para segui-lo (Mt 16,24-28), o Transfigurado deve ser seguido, assim como Ele segue o itinerário de salvação proposto pelo Pai e o obedece em tudo.
Descendo da montanha, os Discípulos são exortados a não dizer nada a ninguém, para que o messianismo de Jesus não seja confundido com nenhuma expectativa messiânica triunfalista.
Será que Pedro, João e Tiago entenderam o “recado” da Transfiguração? Ou continuaram com a mesma mentalidade anterior a ela? Para saber disso, precisamos ler o restante do Evangelho de Mateus. E nós…? Qual a ideia, qual a imagem que trazemos do messianismo de Jesus? Qual atitude a Transfiguração nos ensina e nos motiva a viver e praticar em nossa vida pessoal, comunitária e eclesial
Na Primeira leitura – Daniel 7, 9-10.13s – Daniel, em visão noturna, vê a história do ponto de vista de Deus. Sucedem-se os impérios e os opressores, mas o projeto de Deus não falha. Ele é o último juiz, que avaliará as ações dos homens e intervirá para resgatar o seu povo.
Aos reinos terrenos contrapõe-se o Reino que o Ancião confia a um misterioso “filho de homem” que vem sobre as nuvens. Trata-se de um verdadeiro homem, mas de origem divina. No nosso texto já não se trata do Messias davídico que havia de restaurar o Reino de Israel, mas da sua transfiguração sobrenatural: o Filho do homem vem inaugurar um reino que, embora se insira no tempo, “não é deste mundo” (Jo 18, 36).
Ele triunfará sobre as potências terrenas, conduzindo a história à sua realização escatológica. Jesus irá identificar-se muitas vezes com esta figura bíblica na sua pregação e particularmente diante do Sinédrio, que o condenará à morte.
Na Segunda leitura – 2 Pedro 1, 16-19 – mostra que Pedro e os seus companheiros reconhecem-se portadores de uma graça maior que a dos profetas, porque ouviram a voz celeste que proclamava Filho muito amado do Pai, Jesus, seu mestre. Mas a Palavra do Antigo Testamento continua a ser “uma lâmpada que brilha num lugar escuro” (v. 19), até ao dia sem fim, quando Cristo vier na sua glória. Jesus transfigurado sustenta a nossa fé e acende em nós o desejo da esperança nesta caminhada. A “estrela da manhã” já brilha no coração de quem espera vigilante.
No Evangelho – Lucas 9, 28b-36 – mostra que a Transfiguração confirma a fé dos Apóstolos, manifestada por Pedro em Cesareia de Filipe, e ajuda-os a ultrapassar a sua oposição à perspectiva da paixão anunciada por Jesus. Quem quiser Seu discípulo, terá de participar nos seus sofrimentos (Mt 16, 21-27).
A Transfiguração é um primeiro resplendor da glória divina do Filho, chamado a ser Servo sofredor para salvação dos homens. Na oração, Jesus transfigura-se e deixa entrever a sua identidade sobrenatural. Moisés e Elias são protagonistas de um êxodo muito diferente nas circunstâncias, mas idêntico na motivação: a fidelidade absoluta a Deus.
A luz da Transfiguração clarifica interiormente o seu caminho terreno. Quando a visão parece estar a terminar, Pedro como que tenta parar o tempo. É, então, envolvido com os companheiros pela nuvem. É a nuvem da presença de Deus, do mistério que se revela permanecendo incognoscível. Mas Pedro, Tiago e João recebem dele a luz mais resplandecente: a voz divina proclama a identidade Jesus, Filho e Servo sofredor (cf. Is 42, 1).
Jesus manda os seus discípulos rezar. Hoje, toma à parte os seus prediletos, Pedro, Tiago e João, para os fazer rezar mais longa e intimamente. Estes três representam particularmente os pontífices, os religiosos, as almas chamadas à perfeição. Para rezar Jesus gosta da solidão, a montanha onde reina a paz, a calma, onde pode ver-se a grandeza da obra divina sob o céu estrelado durante as belas noites do Oriente.
A transfiguração é uma visão do céu. É uma graça extraordinária para os três apóstolos. Não nos devemos agarrar às graças extraordinárias que são por vezes o fruto da contemplação. Pedro agarra-se a isso. Engana-se. Queria ficar lá: “Façamos três tendas”, diz. Não sabia o que dizia. A visão desaparece numa nuvem. Há aqui uma lição para nós. Entreguemo-nos à oração habitual, à contemplação. Não desejemos as graças extraordinárias. Se vierem, não nos agarremos a elas.
Os frutos desta festa são, em primeiro lugar, o crescimento da fé. Os apóstolos testemunham-nos que viram a glória do Salvador. “Não são fábulas que vos contamos, diz São Pedro (2Pd 1, 16), fomos testemunhas do poder e da glória do Redentor.
Ouvimos a voz do céu sobre a montanha gritando-nos no meio dos esplendores da transfiguração: É o meu Filho bem-amado, escutai-o”. S. Paulo encoraja a nossa esperança recordando a lembrança da glória do salvador manifestada na transfiguração e na ascensão: “Veremos a glória face a face, diz, e seremos transfigurados à sua semelhança” (2Cor 3, 18). – Esperamos o Salvador, Nosso Senhor Jesus Cristo, que transformará o nosso corpo terrestre e o tornará semelhante ao seu corpo glorioso” (Fil 3, 21).
Mas este mistério é sobretudo próprio para aumentar o nosso amor por Jesus. Nosso Senhor manifestou-nos naquele dia toda a sua beleza. O seu rosto era resplandecente como o sol.
Os apóstolos, testemunhas da transfiguração, estavam totalmente inebriados de amor e de alegria. “Que bom é estar aqui”, dizia São Pedro. “Façamos aqui a nossa tenda”. A beleza de Cristo transfigurado, contemplada pelo pintor Rafael, inspirou-lhe a obra-prima da arte cristã. Nosso Senhor falava então da sua Paixão com Moisés e Elias: nova lição de amor por nós.
O Coração de Jesus, mesmo na sua glória, não pensa senão em nós e nos sacrifícios que quer fazer por nós. Lições também de penitência, de reparação, de compaixão pelo Salvador. Porque teve de sofrer tanto para nos resgatar, choremos os nossos pecados, amemos o nosso Redentor, consolemo-lo.
Este é o meu Filho muito amado: Escutai-o. – A voz do Pai celeste diz-nos: “Escutai-o”, palavra cheia de sentido, como todas as palavras divinas. Deus dá-nos o seu divino Filho por guia, por chefe, por mestre. Escutai-o, fala-nos nas leis santas do Evangelho e nos conselhos de perfeição. Fala-vos nas vossas santas regras, se sois religiosos; no vosso regulamento de vida, se sois do mundo. Fala-vos pelos vossos superiores, pelo vosso diretor.
Têm a missão para vos dizer a vontade divina. Fala-vos pela sua graça, na oração, na união habitual com ele. A palavra de Deus nunca vos falta, é a vossa docilidade que falta habitualmente. Esta palavra divina – “Escutai-o” – espera de vós uma resposta.
Não basta apenas uma promessa vaga: “hei-de escutar”. É preciso uma disposição habitual: “escuto, escuto sempre; falai, Senhor, o vosso servo escuta”. Escutarei no começo de cada ação, para saber o que devo fazer e como devo fazê-lo.