No início da Quaresma, a Palavra de Deus apela a repensar as nossas opções de vida e a tomar consciência dessas “tentações” que nos impedem de renascer para a vida nova, para a vida de Deus.
Eis que começa o tempo da Quaresma, Tempo em que o Senhor nos chama à conversão, a mudanças de atitudes, a nos preparamos para a Semana Santa, com a Páscoa do Ressuscitado. É o Espírito Santo quem nos conduzirá neste caminho quaresmal, grande retiro, nesta peregrinação no deserto, rumo à Páscoa.
A primeira leitura(cf. Dt 26,4-10) convida-nos a eliminar os falsos deuses em quem às vezes apostamos tudo e a fazer de Deus a nossa referência fundamental. Alerta-nos, na mesma lógica, contra a tentação do orgulho e da autossuficiência, que nos levam a caminhos de egoísmo e de desumanidade, de desgraça e de morte.
O Evangelho (cf. Lc 4,1-13) apresenta-nos uma catequese sobre as opções de Jesus. Lucas sugere que Jesus recusou radicalmente um caminho de materialismo, de poder, de êxito fácil, pois o plano de Deus não passava pelo egoísmo, mas pela partilha; não passava pelo autoritarismo, mas pelo serviço; não passava por manifestações espetaculares que impressionam as massas, mas por uma proposta de vida plena, apresentada com simplicidade e amor. É claro que é esse caminho que é sugerido aos que seguem Jesus. O Espírito Santo foi quem dirigiu Jesus pelo deserto e foi ele quem o orientou diante das tentações. A nós, que desejamos celebrar e viver a Páscoa do Senhor com intenso júbilo espiritual, é proposto, pelo Espírito, o mesmo itinerário. Nele não faltarão as tentações, porque, como se diz, a vida é uma luta. Jesus mesmo lutou e nos ensina, com o seu exemplo, como devemos combater às tentações: Ele constatou a verdade do que nos disse São Paulo na segunda leitura: “a Palavra está perto de ti, em tua boca e em teu coração”(cf. Rm 10,8). Com a Palavra de Deus, Jesus venceu as armadilhas do diabo. Também nós, ao adentrarmos ao deserto, devemos saber que a Palavra de Deus é a única “bússola” confiável. No deserto, as referências se diluem e nos é extremamente difícil, senão impossível, distinguir um “monte de areia” de outro “monte de areia”. Somente a Palavra de Deus e a condução do Espírito Santo poderão nos levar à terra prometida da Páscoa do Senhor. O deserto é árido, o diabo é ardiloso, mas tenhamos confiança, “pois a Escritura diz: ‘Todo aquele que nele crer não ficará confundido’”(cf. Rm 10,11). Não estamos sozinhos. Jesus foi à nossa frente e está a nos conduzir no caminho certo rumo à Páscoa, àquele dom de vida do qual emana “leite e mel”.
Jesus não está só no deserto, é aí que Ele se entretém com seu Pai e, duas vezes, Lucas precisa que o Espírito Santo acompanha Jesus, que está cheio do Espírito Santo e é por Ele conduzido. O tentador é forte, apanha Jesus nos seus próprios terrenos. Se Ele é Filho de Deus, diz-lhe o demônio, Ele é o criador, a Palavra que tudo criou. Então pode mudar as pedras em pão. Jesus recorda-lhe que o verdadeiro alimento é a Palavra de Deus. Se Jesus é Aquele que veio instaurar um Reino novo, diz-lhe o tentador, então tem necessidade de poder e de glória. Jesus não tomará o poder pela força, menos ainda afastando-Se do seu Pai. O seu Reino é precisamente o de seu Pai que só merece ser adorado. Se Jesus é o Filho de Deus, diz-lhe Satanás, pode manifestar a sua divindade através de prodígios que ultrapassam os homens, só os anjos se Lhe podem submeter. Jesus veio revelar o verdadeiro rosto de Deus, cujo único poder é a força do amor. Qualquer outra imagem é uma caricatura, um ídolo. Pedir-lhe que não seja senão amor, é pô-l’O à prova. Com o Espírito Santo, Jesus resiste às tentações. E se o demónio se afasta até ao momento fixado, quando este momento vier, Jesus será ainda o grande vencedor sobre o Maligno.
A segunda leitura(cf. Rm 10,8-13) convida-nos a prescindir de uma atitude arrogante e autossuficiente em relação à salvação que Deus nos oferece: a salvação não é uma conquista nossa, mas um dom gratuito de Deus. É preciso, pois, “converter-se” a Jesus, isto é, reconhecê-l’O como o “Senhor” e acolher no coração a salvação que, em Jesus, Deus nos propõe.
+ Eurico dos Santos Veloso
Arcebispo Emérito de Juiz de Fora, MG