A liturgia deste domingo propõe-nos, de novo, a reflexão sobre a nossa relação com os bens deste mundo… Convida-nos a vê-los, não como algo que nos pertence de forma exclusiva, mas como dons que Deus colocou nas nossas mãos, para que os administremos e partilhemos, com gratuidade e amor.
Celebrando o dia do Senhor experimentamos a eficácia da graça transformadora do Cristo Ressuscitado. No Brasil, por iniciativa da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, celebramos o Dia Nacional da bíblia. Ao longo deste mês fomos motivados a nos aproximar, de forma mais intensa, do estudo e da meditação da Palavra de Deus. Agradeçamos ao Senhor os sinais de salvação, principalmente o que a liturgia de hoje nos peça, que é romper com toda forma de egoísmo.
Na primeira leitura(Cf. Am 6,1a.4-7), o profeta Amós denuncia violentamente uma classe dirigente ociosa, que vive no luxo à custa da exploração dos pobres e que não se preocupa minimamente com o sofrimento e a miséria dos humildes. O profeta anuncia que Deus não vai pactuar com esta situação, pois este sistema de egoísmo e injustiça não tem nada a ver com o projeto que Deus sonhou para os homens e para o mundo.
O Evangelho(Cf. Lc 16,19-21) apresenta-nos, através da parábola do rico e do pobre Lázaro, uma catequese sobre a posse dos bens. Na perspectiva de Lucas, a riqueza é sempre um pecado, pois supõe a apropriação, em benefício próprio, de dons de Deus que se destinam a todos os homens. Por isso, o rico é condenado e Lázaro recompensado.
A parábola do pobre Lázaro nos oferece hoje uma difícil lição: a de que nossas pobrezas – materiais e espirituais – não são a coisa mais importante e podem até esconder dons mais preciosos, ao passo que a riqueza e o bem-estar podem ser enganosos e nos fazer perder o essencial. É um paradoxo, mas com frequência são os pobres e desvalidos que mais se esforçam para agradar a Deus. Certamente Lázaro não foi para o céu apenas por ser pobre, mas ele devia manifestar, em meio às suas adversidades, algumas daquelas virtudes mencionadas na segunda leitura: piedade, fé, caridade, paciência, mansidão. O amor transforma nossa pobreza e adversidade com e por Cristo, ao passo que a falta de amor não é capaz de tornar boa sequer a mais farta das riquezas.
Riqueza e pobreza não são bens absolutos – só o amor de Cristo é capaz de sê-lo e de fazer de nossa riqueza e pobreza dons agradáveis a Deus.
A segunda leitura(Cf. 1Tm 6,11-16) não apresenta uma relação direta com o tema deste domingo. Traça o perfil do “homem de Deus”: deve ser alguém que ama os irmãos, que é paciente, que é brando, que é justo e que transmite fielmente a proposta de Jesus. Poderíamos, também, acrescentar que é alguém que não vive para si, mas que vive para partilhar tudo o que é e que tem com os irmãos?
A parábola nos lembra que o Céu e o inferno começam no nosso dia a dia, o cotidiano. Não nos faltam os fatos, acontecimentos, coisas em cada dia, que são objetos de santificação. A fé descobre neles os sinais de Deus a respeito do sentido desta vida. Nós não vivemos de milagres, mas do dia a dia. É nele que devemos encontrar a vida de santificação. Muitos procuram sinais e milagres e dizem, que se Deus se fizesse mais sensível, os desse um sinal, seriam mais fervorosos. Isto é pura ilusão meu irmão, minha irmã. Quem não tem fé nos dons cotidianos de Deus, encontrará razões falsas para não reconhecer os milagres d’Ele. Abraão responde ao rico que quem não tem o hábito da fé viva, rejeitará mesmo os sinais mais significativos. Na verdade, Lázaro, irmão de Marta e Maria, e o próprio Jesus haviam de ressuscitar dentre os mortos e aparecer aos judeus, mas nem assim estes se deixaram convencer.
Esta parábola nos leva a concluir que quando eu e tu, deixarmos este mundo, receberemos uma sentença. Veja que Lázaro foi levado ao “seio de Abraão” e o rico aos tormentos do inferno. Isto pressupõe uma sentença de Deus logo após a minha e a tua morte. E ela é definitiva, pois o mau não pode passar para o lugar do justo, e nem vice-versa. Eu já fiz a minha opção: quero ir para o seio de Abraão! E tu para onde queres ir?
A parábola traça um contraste entre o rico que não confiava em Deus e o pobre que nele depositava confiança. Os Judeus criam ser a riqueza um sinal das bênçãos de Deus pelo fato de serem descendentes de Abraão, e a pobreza indício, do seu desagrado para com os ímpios. O problema não estava no fato do homem ser rico, mas sim por ser egoísta. A má administração dos bens concedidos por Deus havia afastado os fariseus e os Judeus da verdadeira riqueza, que é a vida eterna, esqueceram do segundo objetivo que se encerra na lei de Deus: “Amarás o teu próximo como a ti mesmo” (Cf. Mt 22,39).
O amor de Cristo supera o egoísmo de todos os bens materiais! Assim ensina a Sagrada Escritura, hoje celebrada, porque a nossa fé é uma religião da Palavra de Deus, não de “de uma palavra escrita e muda, mas do Verbo encarnado e vivo”(São Bernardo de Claraval). Assim a Sagrada Escritura deve ser proclamada, escutada, lida, acolhida e vivida como Palavra de Deus, no sulco da Tradição Apostólica de que é inseparável, como ensinou o Papa Bento XVI, Verbum Domini, 7.
+ Eurico dos Santos Veloso
Arcebispo Emérito de Juiz de Fora, MG