A gratuidade significa um gesto qualificado, traduzido pelo “dar de graça”, sem necessidade de que, o que foi dado, seja pago. Assim é o que chamamos de “graça divina”, ou valor da gratuidade de Deus, da forma como Ele dá sabor e ilumina o mundo. Não é troca comercial da sociedade de consumo, mas força da generosidade, de uma prática que dignifica e eleva a identidade da pessoa.
Quem tem coração carregado de interesses individualistas, mergulhado na autorreferencialidade, também marcado pelo egoísmo e incapacitado de olhar pelas necessidades do outro, é fadado a não valorizar a gratuidade. Talvez podemos dizer que isto seja causa de tanta crise existencial, sofrimento psicológico e sintoma angustiante de stress, tão frequente na história dos povos de hoje.
Na penumbra do tema está a inexistência de Deus. A vida é uma construção, que depende das riquezas da cultura, da ciência, da tecnologia, dos bens materiais e da forma como lidamos com tudo na gratuidade. Por gratuidade de Deus temos tudo e, ao mesmo tempo, não temos nada. Devemos ser apenas atentos administradores dos bens da natureza, mas nós passamos e eles ficam para outros.
Enquanto brigamos pela força das ideologias, isolando-nos e nos distanciando uns dos outros, dobrando nossos joelhos diante das falsas notícias, deixamo-nos de ser sal e luz para o mundo. Assim todos os critérios herméticos, fechados, estão carentes de gratuidade e dificultam a vivência dos ensinamentos do Evangelho. Não tem como dissolver o sal e clarear a luz em ambientes de guetos.
Talvez seja interessante dizer a expressão: “Encarnar Jesus Cristo”, absorver a sua forma de vida para construir o Reino de Deus aqui e agora. Isto significa viver o amor, fazendo com que a vida seja bem-aventurada e marcada pelo sabor da gratuidade. Não podemos ser cristãos como sal sem sabor, pois assim não servimos para nada, perdemos nossa identidade e seremos chamados de malditos do Pai.
Estamos assistindo situações de cunho gravíssimo no Brasil. Ficamos chocados com as mortes da pandemia, com as ideologias extremistas e consequente depredações em Brasília. Agora as cenas do desmatamento e garimpos ilegais na Amazônia, causando ceifa de vidas humanas entre os povos originários, principalmente yanomami. Isso clama aos céus e impossibilita a gratuidade de Deus.
Dom Paulo Mendes Peixoto Arcebispo de Uberaba.