Segue abaixo um despreocupado deixar, o pensamento voar. Se tiver alguma coisa boa, foi o dedo do Espírito. Se não, basta deixar prá lá. Não vou me acusar, nem me enganar! Deixo a ti a boa capacidade de separar o que presta e o que não; portanto, para Deus, com seu amor, alimentar teu coração, escrevi o que escrevi.
Fazer silêncio, um aliado, um arrimo, um protetor fiel e seguro. Há uma disciplina do silêncio a ser cultivada, para que a santidade divina seja cultuada e se irradie em vida inteira no pulsar coração. Sim, o silêncio, mais que ausência de palavras ou de sons, é vazio, é dar espaço para, no compasso do Coração de Cristo deixar a alma interior viver. São tantas vozes que gritam! São tantos sons que agitam! Como escutar? É preciso calar, por-se a silenciar e deixar desencadear a força transformadora da Palavra criadora e doadora de sentido.
Barulhos, ruídos, vozes, clamores, cheios de ardores. É preciso por os controles e acionar os sinalizadores que o rumo não deixa perder. Quem compreenderá tal dinâmica do vazio, deste profundo calar? Quem e somente quem a Palavra Eterna um dia ouviu e pressentiu, esquadrinhando o traçado do infinito nela contido.
Caro Filoteu! A solidão do Eterno! Quem a cultua? Quem neste abismo se lança, nunca se cansa e sempre alcança colher o Sumo Bem. Colherá mais quem na profundidade de seu recipiente busca, ensinava o místico pai São João da Cruz. Portanto, superficialidade não combina com anseios fortes, não se articula com radicalidade da vontade e decisão do coração. Quem se dobrará e adorará o tremendo e imperscrutável silêncio do Altíssimo? Só os violentos de coração, somente os inquietos construtores da Pátria pressentida.
O nada! Eis o que somos! Verdade forte, memória da morte ou do não ser. O nada recorda que tudo foi recebido, tudo foi dado, nada é devido. Deus não nos deve nada!!!!! Prostrados ante o Tudo! Eis o caminho da sensatez por ser verdade consumada: somos dom para nós mesmos e para Quem se nos deu. Somos dádiva para o outro, próximo e não próximo, sempre o outro, irmão, companheiro. “ser-com-os-outros”, “ser-para-os-outros”, no dizer do filósofo. Saber-se dom, assumir-se presente é eterno elixir de vitalidade para fazer da vida uma oferta, uma existência para dar-se, consumir-se no sentido profundo do servir.
Filoteu de Betânia, com liberdade eu te pergunto e com humildade te indago: Quem se abaixará para os pés dos outros lavar? Creio ser aquele que soube viver a prostração na adoração. E ali, na calma serena do próprio nada, a alma aniquilada, deixar-se-á ser amada por Quem sua carne mortal assumiu, de modo que nunca se viu tamanho se arrasar. Como o silêncio, cheio de nada, não será uma coisa só com a solidão? Para ambas o vazio é o quinhão. Na festa ou na desolação, na presença sentida ou na ausência sofrida, a certeza da ferida não cauterizada da nostalgia vai inserindo o interior do inefável mistério do velar-se e desvelar-se.
Silêncio e solidão: itinerários de liberdade pura ou em ritmos de purificação. Há uma profecia, quer de noite, quer de dia, que seu pregão fará soar. Quem a ouvirá? Quem de atalaia é vigia. Mas, ninguém irá calar este grito a sussurrar, tudo quanto no silêncio se ouviu, que seu nada pressentiu e deixou-se arrastar.
Filoteu eu te digo: Fica atento! Ouve o que te digo! Arrastões! – “Arrasta-me e atrás de Ti corramos!” – Diz a esposa dos cantares! Envolvimento sem fim com a Trindade, os Três, o grande Outro, a suprema Alteridade, a Eterna Divindade, quem em seus laços de amor quer prender o pecador. Como transformar a miséria em puro altar para os dons apresentar? No coração reparador, Da adega interior, o contrito interior, sempre humilde com certeza! A alma espiritual, forjada no fogo do divino ardor, do Esposo encantador, fonte de sincero e terno amor. Também nas sofridas ausências, nas penas da noite, da treva do sentir, ou do espiritual atormentar, lá está a riqueza, a divina beleza, realizando o seu Querer. Há uma luz, radiante e fulgurante, na densa noite, onde o contraste do Que É, mergulha em Si o que não é. Aniquila-se, purifica-se, dignifica-se. Um tempo de dor e de libertação, um doloroso parto onde nasce um novo cristão! Grande coisa, sublime elevar-se que brota do abaixar-se!
Tanto humilde quanto pobre! Essa alma é toda nobre pela honra do Senhor, seu querido e terno amor, que na piedade a desposou. Toda nada se descobre, quem na luz se deixa achar, nada e coisa alguma, com certeza ela é nenhuma, eis a sina da verdade, assumida em caridade pelo Tudo do seu Deus.
Quem é Ele? Tu sabes Filoteu? Tão tremendo e tão Supremo, fez-se pobre e pequeno a Palavra Eterna gerada, que em noite tão gelada, das alturas quis descer. Sim! Desceu! Abaixou-se, inclinou-se, assim o Inominável dignou-se.
O Encontro! De onde procede? Da saída! Saída e encontro inauguram o novo conto do amor a cativar. Quem cativa, cultiva, como quem ama, cuida. Há um sentido, um respiro, uma vida, há um ser para viver. O amor é movimento, um sentido, um momento deste encontro um novo ponto, do vigor em construir. Há um descanso sereno, despreocupado, no silêncio e no vazio deste coração ofertado. A imensa paz, a vigorosa quietude é sempre inquieta e a guerra é sua sorte, sua inseparável consorte por ter lutas a travar, assim bem como tem tanto; tanto, tanto a labutar.
Eia Filoteu! Que contraste! Que loucura! Tremendo paradoxo! Antípodas extremas se misturam, nestas cenas do viver e do morrer, deste eterno ressurgir, quem não vive mais em si, nem muito menos para si. Quem compreenderá? Quem não morrer, não viverá! Quem de páscoa reviveu, quem na cruz feneceu, e a vida de seu Mestre, em sua vida aconteceu.
Pois é assim ó Filoteu! É preciso terminar, este alinhavado muito solto, de pensamentos muito loucos, que te dirijo a rezar! Que o silêncio faça ouvir, no deserto interior, o assovio do Pastor com amor apascentar. Nesta santa solidão, ao Pastor seu coração, a ovelha queira dar. Amém.
Pe Marcos