Hoje dia 14 de outubro de 2018, foi canonizado, em Roma, depois de todos os trâmites normais de um processo de canonização ordinário – incluindo, é claro, os dois milagres (um para a Beatificação e outro para a Canonização) – o Papa Paulo VI, de agora em diante São Paulo VI. Esse acontecimento nos enche de alegria por vermos mais um irmão no santo Batismo e sucessor de Pedro entre os anos de 1963 a 1978 ser elevado à honra dos altares. Ele foi canonizado com outros 6! Cada um merece uma grande reflexão. Vamos parar por uns instantes para refletir sobre esse grande Papa do Concílio Vaticano II.
O século XX teve a Igreja servida por grandes pontífices santos! Em tempos de tantas crises, a resposta do Espírito Santo é o caminho da santidade. É a grande revolução que o mundo necessita.
Reflitamos, ainda que de modo breve, sobre alguns ensinamentos basilares contidos nas Encíclicas desse grande Papa, amado, mas também incompreendido e até criticado e atacado em seu tempo pelas posições claras e coerentes assumidas em defesa da Santa Igreja.
Não se fica santo(a) no momento da canonização, esta declara e confirma a santidade de alguém. Esta cerimônia de fé é uma forma de aclamar na terra quem já foi glorificado(a) no céu. Desde o instante em que o (a) falecido(a) entrou na glória celeste é santo(a). Daí a Igreja celebrar, no Brasil, Todos os Santos no Domingo seguinte a 1º de novembro. São os irmãos e irmãs nossos que estão em Deus, mas não foram inscritos no Cânon ou Catálogo dos Santos. Os inscritos ou canonizados, como é o caso, hoje, de Paulo VI, são aqueles homens e mulheres que a Igreja nos propõe como modelos de segmento a Jesus Cristo em algum aspecto de Sua plena santidade.
Pois bem, Paulo VI nos deixou sete encíclicas. São elas: Ecclesiam Suam (1964); Mense Maio (1965); Mysterium Fidei (1965); Christi Matri (1966); Populorum Progressio (1967); Sacerdotalis Caelibatus (1967) e Humanae Vitae (1968). Certamente, as críticas e os louvores à Humanae Vitae, que já tive ocasião de comentar em data recente, a destacaram entre as outras que também têm, cada uma em sua área, grande importância para a Igreja de nosso tempo e, por isso, merecem atenção.
Na Ecclesiam Suam, aquele Papa apresentava como que o “programa” do seu pontificado. Aí diz ele: “A todos parecerá, portanto, natural que nós, dirigindo ao mundo esta nossa primeira Encíclica depois de, por imperscrutável desígnio de Deus, termos sido chamado ao Sólio Pontifício, volvamos com afeto e reverência o nosso pensamento à santa Igreja. Por esses motivos, propomo-nos nesta Encíclica esclarecer o melhor possível aos olhos de todos, quanto importa à salvação da sociedade humana e, ao mesmo tempo, quanto a Igreja tem a peito que ambas se encontrem, conheçam e amem”.
Nela, deseja apresentar “palavras de irmão e pai, para vos manifestarmos alguns pensamentos, mais frequentes no nosso espírito, que nos pareceram úteis como orientação prática, ao iniciar-se o nosso ministério pontifício. É-nos bem difícil concretizar esses pensamentos, porque temos de os recolher na meditação mais atenta da doutrina sagrada, uma vez que também a nós se aplicam as palavras de Cristo: ‘A minha doutrina não é minha, mas daquele que me enviou’ (Jo 7,16); porque devemos, além disso, adaptá-los às condições atuais da Igreja, numa hora de vida intensa e de prova, tanto da sua experiência espiritual interior como do seu esforço apostólico externo; e porque, finalmente precisamos não ignorar o estado em que se encontra hoje a humanidade, no meio da qual exercemos o nosso cargo” (n. 1).
Na Mense Maio, o Santo Padre trata do mês mariano de maio, tão importante aos fiéis em geral, nas igrejas e nos lares. Explica ele: “Ao aproximar-se o mês de Maio, consagrado a Maria Santíssima pela piedade dos fiéis, o nosso espírito exulta ao pensar no espetáculo comovente de fé e de amor que, dentro em breve, será oferecido em todas as partes da terra em honra da Rainha do céu. Na verdade, é um mês em que, nos templos e entre as paredes domésticas, sobe dos corações dos cristãos até Maria a homenagem mais ardente e afetuosa da prece e da veneração. E é também o mês em que mais copiosos e mais abundantes descem até nós, do seu trono, os dons da misericórdia divina”. Tal encíclica contribuiu, sem dúvida alguma, para o reafervoramento da piedade popular mariana, um tanto mal compreendida por algumas correntes pós-conciliares.
Na Mysterium Fidei, o Sumo Pontífice louva o valor da Santa Missa como sempre foi entendida e professada na Igreja, mas aponta e corrige também alguns erros que cercam esse Sacramento. São suas palavras: […] “tratando da restauração da Sagrada Liturgia, os Padres do Concílio, pensando no bem da Igreja universal, tiveram sobretudo a peito exortar os féis a participarem ativamente, com fé íntegra e com a maior piedade, na celebração deste sacrossanto Mistério, oferecendo-o a Deus como sacrifício, juntamente com o sacerdote, pela salvação própria e de todo o mundo, recorrendo a ele para encontrarem o alimento da alma” (n. 2). “E para que ficasse bem claro o nexo indissolúvel entre a fé e a piedade, os Padres do Concílio, confirmando a doutrina sempre defendida e ensinada pela Igreja e definida solenemente pelo Concílio de Trento, julgaram dever iniciar a matéria do Sacrossanto Mistério Eucarístico por esta síntese de verdades: ‘O nosso Salvador, na última Ceia, na noite em que foi traído, instituiu o Sacrifício Eucarístico do seu Corpo e do seu Sangue, para perpetuar o Sacrifício da Cruz pelos séculos afora, até à sua vinda, deixando deste modo à Igreja, sua dileta Esposa, o memorial da sua morte e ressurreição: sacramento de piedade, sinal de unidade, vínculo de caridade, banquete pascal, em que se recebe Cristo, se enche a alma de graça e é dado o penhor da glória futura’” (n. 4). Diante de opiniões errôneas, no entanto, o Papa recorda que “a Eucaristia é um Mistério altíssimo, é, propriamente, o Mistério da fé, como se exprime a Sagrada Liturgia: ‘Nele só, estão concentradas, com singular riqueza e variedade de milagres, todas as realidades sobrenaturais’, como muito bem diz o nosso predecessor Leão XIII de feliz memória” (n. 15), justificando, assim, o título do documento.
A Christi Matri trata de parte dos problemas da época e convida os católicos à reza do Rosário, em especial no mês de outubro. Afirma Paulo VI: “Uma vez que, aumentando os perigos é preciso que aumente a piedade do povo de Deus, desejamos, veneráveis Irmãos, que, com vosso exemplo, com vossa exortação, com vosso estímulo, mais insistentemente se invoque a clementíssima Mãe do Senhor, durante este mês de outubro, com a devoção do Rosário. Esta oração, de fato, está ao alcance da mentalidade do povo; é muito agradável à Virgem e eficacíssima para implorar os dons celestes. Com clara indicação, embora não expressamente, recomendou o Concílio Ecumênico a todos os filhos da Igreja, a oração do Rosário, exortando ‘que estimem grandemente as práticas e devoções aprovadas pelo Magistério através dos tempos’ (Const. Dogm. Lumen Gentium, 67). Essa oração não só tem grandíssima eficácia em repelir os males e em afastar as calamidades, como demonstra claramente a história da Igreja, mas ainda nutre abundantemente a vida cristã, ‘antes de tudo, alimenta a fé católica com a meditação oportuna dos mistérios divinos e eleva a mente às verdades reveladas’ (Pio XI, Carta Enc. Ingravescentibus Malis, 29 de setembro de 1937; AAS XXIX,1937, p. 378)”.
A Populorum Progressio é (ou deveria ser) mais conhecida entre nós, pois está entre os brilhantes documentos que compõem a Doutrina Social da Igreja. Por estarmos, no Brasil, a convite da CNBB, no Ano do Laicato e em tempo de segundo turno de eleições presidenciais e também para governador na maioria dos Estados, convém ter presente o n. 81 da referida encíclica a dizer: “Exortamos primeiramente todos os nossos filhos. Nos países em via de desenvolvimento, assim como em todos os outros, os leigos devem assumir como tarefa própria a renovação da ordem temporal. Se o papel da hierarquia consiste em ensinar e interpretar autenticamente os princípios morais que se hão de seguir neste domínio, pertence aos leigos, pelas suas livres iniciativas e sem esperar passivamente ordens e diretrizes, imbuir de espírito cristão a mentalidade e os costumes, as leis e as estruturas da sua comunidade de vida. São necessárias modificações e são indispensáveis reformas profundas: devem eles esforçar-se decididamente por insuflar nestas o espírito evangélico. Aos nossos filhos católicos que pertencem aos países mais favorecidos, pedimos o contributo da sua competência e da sua participação ativa nas organizações oficiais ou privadas, civis ou religiosas, empenhadas em vencer as dificuldades das nações em fase de desenvolvimento. Hão de ter, sem dúvida, muito a peito o ser contados entre os primeiros de quantos trabalham por estabelecer, na realidade dos fatos, uma moral internacional de justiça e de equidade”.
Na Sacerdotalis Caelibatus, Paulo VI, como se vê, defende o celibato sacerdotal como precioso tesouro da Igreja. Constata ele: “O celibato sacerdotal, que a Igreja guarda desde há séculos como brilhante pedra preciosa, conserva todo o seu valor mesmo nos nossos tempos, caracterizados por transformação profunda na mentalidade e nas estruturas. Mas no clima atual de novos fermentos, manifestou-se também a tendência, e até a vontade expressa, de pedir à Igreja que torne a examinar esta sua instituição característica, cuja observância, segundo alguns, se tornou problemática e quase impossível no nosso tempo e no nosso mundo” (n. 1). E conclui: “Julgamos, portanto, que a lei vigente do celibato consagrado deve, ainda hoje, acompanhar firmemente o ministério eclesiástico; deve tornar possível ao ministro a sua escolha, exclusiva, perene e total, do amor único e supremo de Cristo e a sua dedicação ao culto de Deus e ao serviço da Igreja, e deve ser característica do seu estado de vida, tanto na comunidade dos fiéis como na profana” (n. 14). Afinal, “a verdadeira e profunda razão do celibato é, como já dissemos, a escolha duma relação pessoal mais íntima e completa com o mistério de Cristo e da Igreja, em prol da humanidade inteira. Nesta escolha há lugar, sem dúvida, para a expressão dos valores supremos e humanos no grau mais elevado” (n. 54). Contudo, não deixa de exortar os celibatários sobre o encargo assumido no celibato: “Oh, se estes sacerdotes soubessem quanta dor, quanta desonra, quanta perturbação causam à santa Igreja de Deus, se refletissem na solenidade e beleza dos compromissos assumidos, e nos perigos que enfrentarão nesta vida e na futura, seriam mais cautelosos e reflexivos ao tomar suas decisões, mais solícitos na oração e mais lógicos e corajosos em prevenir as causas do seu colapso espiritual e moral” (n. 86).
Na Humanae Vitae, já tratada recentemente em artigo anterior, Paulo VI escreve que “ao defender a moral conjugal na sua integridade, a Igreja sabe que está contribuindo para a instauração de uma civilização verdadeiramente humana; ela compromete o homem para que este não abdique da própria responsabilidade, para submeter-se aos meios da técnica; mais, ela defende com isso a dignidade dos cônjuges. Fiel aos ensinamentos e ao exemplo do Salvador, ela mostra-se amiga sincera e desinteressada dos homens, aos quais quer ajudar, agora já, no seu itinerário terrestre, a participarem como filhos na vida do Deus vivo, Pai de todos os homens” (n. 18).
Percorremos, de modo muito sucinto, as principais linhas dos grandes ensinamentos de São Paulo VI, um Papa em tempos difíceis, mas muito fiel à sua missão. Sofreu muito. Talvez, poucos saibam que, em 27 de setembro de 1970, em sua visita às Filipinas, um pintor boliviano disfarçado de sacerdote, tentou apunhalar o Santo Padre, mas foi detido a tempo (cf. A. Rubert. Tudo sobre os Papas. Porto Alegre: EST, 2003, p. 255). Fez grandes viagens apostólicas e grandes exortações diante de tantas crises pelas quais o mundo estava passando. Mas em tudo, viveu o Evangelho, por isso, foi canonizado.
Rezemos, alegres, neste dia, pedindo: São Paulo VI, rogai por nós!
Orani João, Cardeal Tempesta, O. Cist.
Arcebispo Metropolitano de São Sebastião do Rio de Janeiro, RJ