A pergunta parece ter uma resposta óbvia, mas me parece útil refletir sobre o tema. Certamente, mesmo sendo óbvia para muitos, vê-se, por vezes, interpretações não correspondentes à realidade.
Quem é Nossa Senhora Aparecida? É a Mãe de Jesus, representada por pequena imagem negra, encontrada, há trezentos anos, nas águas do rio Paraíba do Sul, no norte Estado de São Paulo. É a Virgem concebida sem o pecado original, pelos méritos não seus, mas de seu divino Filho a quem miraculosamente concebeu por obra do Espírito Santo (cf. Lc 1, 5-25).
Quem é a Senhora Aparecida? É a Mulher prometida no livro do Gênesis, que haveria de nascer e, por força de sua Descendência (Cristo), esmagar a cabeça da serpente infernal (Cf. Gn 3, 14-15). Se lá nos primórdios a mulher denominada Eva perdeu a graça divina por força do pecado, aqui, na nova e eterna aliança, a Mulher saudada pelo Anjo com o “Ave” é plena da graça, não havendo nela mancha de pecado, pois o Filho que dela nasceu foi chamado Filho do Altíssimo (Cf Lc 1, 5 – 25).
É a Mulher, Mãe do Salvador que na festa de casamento em Caná da Galiléia, intercedeu a Jesus em favor da família em apuros, porque faltara vinho para os convidados. Ele, mesmo não tendo chegado a sua hora, saudando-a misticamente com o vocativo “Mulher”, evocando a narrativa promissora do Gênesis, atende o maternal pedido, transformando seiscentos litros de água em vinho de altíssima qualidade (cf. Jo 2, 1-12). Como não ver neste primeiro sinal de Cristo, a imagem da transformação do estado de pecado da humanidade em estado da graça salvadora? Como não ver em Maria a participação da mulher no projeto divino da redenção?
Quem é Nossa Senhora Aparecida? É a Mãe do Menino Jesus que nasceu miraculosamente na gruta de Belém, a quem os coros celestiais vieram cantar Glória a Deus nas Alturas e paz na terra aos homens de boa vontade (cf Lc 1, 18-24).
É a Mãe aflita que, na companhia do santo esposo José, encontra o filho de 12 anos que ficara em Jerusalém discutindo com os doutores e que, voltando para Nazaré, era obediente e submisso a seus pais, enquanto ela conservava tudo em seu coração ( Cf. Lc 2, 41-51).
É a Mulher que se encontra no alto do Calvário, no momento da extrema dor de seu Filho, injustamente condenado e moribundo na cruz. Ela é socorro materno, é solidariedade inconfundível, é voluntária participante dos sofrimentos humanos, singular partícipe do mistério da salvação (cf. Jo 19, 25-27).
É a Mãe do Redentor que no sacrossanto jogo do amor divino-humano é entregue como mãe ao discípulo amado, realizando o milagre da maternidade universal, pois se torna ela mãe de toda a humanidade. Por ela, os seres humanos, além dos afetos desinteressados das mães terrenas, podem receber amor materno sem defeitos só possível a mãe celestial. Misericórdia do Pai!
Quem é Nossa Senhora Aparecida? É a Rainha incomparável do céu e da terra, que, à semelhança da Rainha Ester, intermedeia a salvação para seu povo ( Cf. Est 5, 1 ss). Formosa filha de Sião, negra e bela da qual nasceram e continuam nascendo misticamente todas as raças, culturas e povos em vista da conversão a Cristo.
É a Mulher vestida de Sol, com coroa de doze estrelas sobre a cabeça, tendo a lua debaixo dos pés, conforme narra o livro do Apocalipse (Cf Ap 12, 1-12). Ela representa a Igreja geradora perpétua de Cristo na história, sempre ameaçada pelas forças de dragões infernais poderosos que podem arrastar a terça parte das estrelas do céu, mas não podem vencer o poder divino e acabam, inevitavelmente derrotados pela força do Arcanjo Miguel (Quem como Deus!).
Quem é Nossa Senhora Aparecida? É a única e verdadeira Rainha e Protetora do Brasil que a venera humilde e confiantemente na singela imagem negra que há três séculos vem arrastando as pessoas para Deus, sendo mãe protetora dos que sofrem e intercessora fiel dos que necessitam de graças especiais, mergulhada que está na única mediação de Cristo.
A ela o povo de Deus que peregrina nesta Pátria, caminhando no tempo em busca da eternidade, ofereceu, ao correr da história, um manto com o qual quer honrá-la e sob o qual quer se agasalhar nos momentos de aflição. Pelas mãos da piedosa Princesa Isabel, a primeira mulher a governar o povo brasileiro, ornou-lhe a cabeça com uma linda coroa como gesto de amor incondicional a ela e, através dela, sobretudo de adoração a Deus que a criou e no-la deu por Mãe de misericórdia, esperança nossa, a quem todas as gerações chamarão sempre de bendita!
Dom Gil Antônio Moreira
Arcebispo de Juiz de Fora