A liturgia do décimo sexto do tempo comum que é celebrado neste final de semana é marcada pela condescendência quase pedagógica de Jesus – e de Deus nele – com o povo que, esperançoso, de todos os lados, acorre até ele. A preparação de sua chegada pelos discípulos – assunto de domingo passado – teve efeito.
O povo procura Jesus. Esse povo é como ovelhas que não têm pastor, e Jesus lhes ensina muitas coisas. Dá-lhes o ensinamento do reinado de Deus. No Evangelho deste domingo, Jesus convida os Apóstolos, que regressavam da missão, cansados, repousarem um pouco em lugar deserto e avaliar o resultado do trabalho apostólico. Mas nem deu tempo, pois havia uma multidão sedenta da verdade e faminta de pão para atender!
Na primeira leitura – Jr 23, 1-6 – o profeta Jeremias faz uma proclamação sobre os maus pastores e o verdadeiro pastor de Israel. Os reis de Judá foram maus pastores para o rebanho; por isso, serão castigados (cf. Jr 23,1-2). Mas Deus reunirá novamente seu rebanho, de todos os lugares, e lhe dará um bom pastor (cf. Jr 23,3-4), descendente de Davi, que poderá chamar-se “Javé nossa justiça”. O profeta Jeremias lamenta a existência de maus pastores que fazem sofrer, dispersar e afugentar! Mas, Deus vai suscitar novos e zelosos pastores!
Na segunda leitura –Ef 2,13-18 – Paulo recorda que Jesus veio estabelecer a paz e a unidade de todos os povos. Veio formar um único povo. Apagou nossos pecados com seu Sangue e derramou o Espírito Santo para fortalecer nossa consciência de “filhos de Deus”! A segunda leitura, embora escolhida para continuar a leitura da carta aos Efésios, iniciada no domingo passado, não deixa de enriquecer o pensamento principal da liturgia de hoje. Fala da unidade de gentios e judeus em Jesus Cristo. Do ponto de vista do judaísmo, os gentios estavam longe de Deus. Cristo, porém, trouxe-os para perto. Mediante aqueles que Paulo chama de gentios, Deus chamou a todos. Já não há discriminação. De judeus e gentios, daqueles que estão perto e dos que estão longe, Deus fez, em Jesus Cristo, nova realidade humana: o “homem novo” (Ef 2,15).
No Evangelho – Mc 6, 30-34 – Jesus quer fazer a partilha dos resultados da missão com seus Apóstolos, que retornaram cansados do trabalho apostólico. Disse-lhes: “Vinde sozinhos para um lugar deserto e descansai um pouco!” Mas a multidão faminta e sedenta de verdade, e abandonada pelos pastores, procurou Jesus, que se compadeceu e passou o dia inteiro ensinando-a, pois, parecia um rebanho sem pastor!
O tema das ovelhas que não têm pastor (e o encontram em Cristo) merece toda a nossa atenção nos tempos atuais. A propósito, muitos que formalmente são considerados cristãos, porque batizados, na realidade não se sentem atendidos. Tampouco no campo social e político encontram direção firme. A sociedade exibe um aspecto caótico, e não vemos, de imediato, um ponto de referência que una as pessoas e as faça conviver em harmonia. Diante disso, o evangelho deste domingo nos mostra Jesus tendo compaixão dessa multidão, que é como ovelhas sem pastor. E o que é que ele faz? “Pôs-se a ensinar muitas coisas” (Mc 6,34).
O projeto de reconduzir o povo recebe sua plena realização em Jesus de Nazaré. Vendo a multidão carente de pastor, tem compaixão dela e começa a ensinar-lhe as coisas do Reino. Temos aí a origem da “pastoral”. A pastoral consiste em pôr em prática a “compaixão” pelo povo que nos faz sentir (e até sofrer) “com” o povo. Pastoral é conduzir o povo pelo caminho de Deus. É inspirada pelo espírito de serviço. Jesus procura levar o rebanho ao Pai, só isso, mas isso é tudo. Ser pastor é o dom de orientar carinhosamente o povo eclesial para Deus.
Que possamos tirar algumas lições do Evangelho deste domingo: na primeira lição, a catequese de Jesus nos ensina que o trabalho apostólico é cansativo e precisa de descanso e de oração – “Vinde a um lugar deserto… e descansai um pouco!”. Na segunda lição, Jesus nos ensina que a necessidade do povo ocupa um lugar muito importante: “Jesus vendo a multidão faminta e sedenta da verdade, compadeceu-se e passou o dia inteiro ensinado-a com calma e compaixão”. O bom missionário e o zeloso pastor não se pertencem mais! Precisam ser grandes na compaixão e na doação integral ao serviço do Povo de Deus!
Orani João, Cardeal Tempesta, O. Cist.
Arcebispo Metropolitano de São Sebastião do Rio de Janeiro, RJ