De repente, um só assunto domina o mundo. Seja em círculos de amigos, de desconhecidos à espera da condução, de romeiros a caminho da graça, do cidadão na fila burocrática, da rodinha em volta do prato, da cerveja, dos doces… De repente, todos comentam a uma só voz o encanto miraculoso do gigante cretáceo em vias de extinção. Enfim, o mundo descobre que baleias existem e que ainda navegam em oceanos profundos, onde mistério e mística se confundem e a ameaça de morte ronda seus domínios, suas existências… Qual seu segredo, oh inefável e belíssima dominadora dos sete mares, oh pródiga baleia azul? Seu nome já não encanta, mas assusta! Que lhe fizeram de tão drástico e temeroso, para torná-la sinônimo de desgraças e símbolo da perversidade humana? Ao belíssimo animal nada mais fizemos do que adiar um pouco sua extinção, mas ao animal que somos, ah! – a este sim… aceleramos um pouco mais sua bestialização e sua eliminação gradual, mas certeira, da convivência com aqueles que denominamos irracionais, mas que, no andar da carruagem, sobreviverão à racionalidade que nos distinguia neste belíssimo balão azul.
Eis que louvo o balão, não a baleia. Esse em que o Criador nos colocou e nos deu carona nessa viagem maravilhosa que denominamos “vida”. Não matem as baleias, gritei quando criança. E também cantei, com Guilherme Arantes, o verso de uma geração capaz de louvar e agradecer pelo privilégio de existir, viajar neste mundo. “Pegar carona nessa cauda de cometa, ver a Via-Láctea, estrada tão bonita… Brincar de esconde-esconde numa nebulosa, voltar para casa, nosso lindo balão azul”. Sonhar sempre foi privilégio infantil, em especial ao contemplar a vastidão do universo, dos mistérios, dos encantos e seduções que a vida diuturnamente se lhes reserva. Não há porque imaginar essa nossa descoberta diária de outra forma, sem apegar-se a ela e a seus encantos e seduções. Toda e qualquer criança ou adolescente potencializa em sua vida as descobertas que faz. Assim o aprendizado, a lhe revelar gradativamente os prazeres do existir, o sexo, o amor, a família, a vocação, a realização, a aposentadoria ou mesmo a morte. Tudo a seu tempo e em sua naturalidade. Aventuramo-nos nesta estrada de descobertas constantes. Brincamos de esconde-esconde entre a vida e a morte, para um dia, no momento exato, voltarmos para casa… Não há porque retroceder ou inverter esse processo.
Nossa baleia, todavia, navega em mares tenebrosos. A ambição humana a faz prisioneira de um futuro incerto. Seu grito de socorro ecoa nos tímpanos mais sensíveis ao desleixo em que enfiamos nosso “balão azul”, este planetinha sem igual onde o existir e o coexistir são privilégios dum mistério que ainda não desvendamos em sua plenitude: a vida. Salvar a baleia, mais que um jogo de vida ou morte, tornou-se um grito uníssono de amor à vida. Nesse jogo está o futuro das gerações humanas, sua dignidade, sua sanidade moral, psicológica, racional. Quem um dia se viu capaz de aliciar semelhantes e jogá-los num tabuleiro como peças de um jogo irônico, haverá de se descobrir um eterno perdedor, quando deparar-se com a própria morte. A estes está reservada a pior delas. Mas àqueles que hoje se escandalizam com a perversidade desses “animais”, resta o consolo do diálogo, da indignação, da rejeição que o mundo faz a esse tipo de jogatina. Nosso jogo é mais prazeroso. Um jogo a favor da vida, não da morte. Salvem nossos filhos!