A liturgia do Segundo Domingo do Tempo Comum apresenta a imagem do casamento como imagem que exprime de forma privilegiada a relação de amor que Deus (o marido) estabeleceu com o seu Povo (a esposa). A questão fundamental é, portanto, a revelação do amor de Deus. As bodas são, na Bíblia, símbolo da Aliança entre Deus – o esposo – e o povo de Israel – a esposa. Nas bodas de Caná, o esposo é citado, mas não é visto nem ouvido. Jesus é o único Esposo messiânico.
A primeira leitura(Is 62,1-5) define o amor de Deus como um amor inquebrável e eterno, que continuamente renova a relação e transforma a esposa, sejam quais forem as suas falhas passadas. Nesse amor nunca desmentido, reside a alegria de Deus. Após a volta do povo do exílio babilônico, o profeta canta a reconstrução de Jerusalém – comunidade – e a vê assumindo novamente o papel de “esposa”. Entre Deus e a comunidade há uma aliança de amor, a exemplo, a exemplo de um casamento. Essa união simboliza a alegria de Deus e da comunidade. Deus sempre se faz aliado do seu povo, mesmo quando este é infiel.
O Evangelho(Jo 2,1-11) apresenta, no contexto de um casamento (cenário da “aliança”), um “sinal” que aponta para o essencial do “programa” de Jesus: apresentar aos homens o Pai que os ama, e que com o seu amor os convoca para a alegria e a felicidade plenas. No Evangelho de hoje, vislumbramos o primeiro dos sinais de Jesus. Servirá de estampa para os outros que surgirão no Evangelho de João até o grande sinal da Ressurreição. Nas bodas de Caná, a palavra “transformação” dá o tom para um correto entendimento da passagem(Jo 2,9).
As talhas de pedra, de início, vazias e endurecidas, simbolizam a primeira Aliança que se torna Nova Aliança. Jesus ordena que se coloque água nas talhas. Já não estão mais vazias e secas. A água é símbolo do Espírito Santo que dá sentido às novas formas de relação do ser humano com Deus, por e em Jesus. Ele, o Senhor, transforma a água em vinho, vinho de melhor e insuperável qualidade(Jo 2,10).
Vinho é a Graça, o Amor e o Sangue de Jesus, a Nova Aliança. Assim, as Bodas de Caná sinalizam a chegada de uma “nova religião”, religião da Nova Aliança estabelecida pelo sacrifício redentor de Jesus. Religião viva, cheia de graça e de sentido novo, não mais religião marcada por legalismo petrificado em preceitos rituais endurecidos. Em e por Jesus, esposo e vinho excelente, as pessoas vivem livres entre si e em Deus. Pois, se ninguém viu a Deus, foi o Filho único que o mostrou(Jo 1,18) e, se a Lei(Primeira Aliança) veio por Moisés, a graça(vinho da alegria) e a verdade(vinho da religião autêntica) vieram por Jesus Cristo, Aliança entre Deus e os homens(Jo 1,17).
A segunda leitura(1Cor 12,4-11) fala dos “carismas” – dons, através dos quais continua a manifestar-se o amor de Deus. Como sinais do amor de Deus, eles destinam-se ao bem de todos; não podem servir para uso exclusivo de alguns, mas têm de ser postos ao serviço de todos com simplicidade.
É essencial que na comunidade cristã se manifeste, apesar da diversidade de membros e de carismas, o amor que une o Pai, o Filho e o Espírito Santo. Na comunidade há grande variedade de carismas – dons – o eu não quebra a unidade comunitária, pois a fonte do carisma é sempre o mesmo Espírito. Essa diversidade de dons enriquece a Igreja. Os dons que cada um recebe do Espírito de Deus são para serem postos a serviço da comunidade em vista do bem de todos, e não para favorecer a glória pessoal ou provocar divisões.
Somos convidados a tomar parte do banquete da Eucaristia, celebrando o primeiro sinal realizado por Jesus nas bodas de Caná. Sempre atenta e servidora, Maria Santíssima nos instrui a fazer tudo o que seu Filho disser. Nas bodas de Caná tem lugar o primeiro sinal realizado por Jesus no Evangelho de João. Com este sinal, Jesus antecipa sua hora, atendendo ao pedido da Mãe. Ao longo da semana, peçamos a Deus que transforme a água da amargura em vinho da alegria e da esperança. Que nunca falta o bom vinho do amor em nossas famílias e na comunidade!
+ Eurico dos Santos Veloso
Arcebispo Emérito de Juiz de Fora, MG