Onde a felicidade não está
É curioso como muitas pessoas pensam que a felicidade é algo reservado para os outros, e muito difícil em suas próprias circunstâncias. Talvez o pobre, se ouvir falar de felicidade, pense que é algo que se diz para os ricos, que só os ricos são felizes. E os ricos, poderosos e famosos, talvez prisioneiros de sua própria grandeza, pensarão que se refere às pessoas simples, a quem eles, inexplicavelmente, veem tantas vezes gozar e rir com coisas que sua condição os impede de acessar.
Corremos o risco de pensar que a felicidade é como um sonho, que não tem nada a ver com a vida cotidiana e concreta. Associamo-lo a grandes acontecimentos, a poder ter uma grande soma de dinheiro, ou a ter um triunfo profissional ou afetivo deslumbrante, ou a realizar proezas enormes… e não costuma ser conseguido com isso.
A prova é que os mais ricos, os mais poderosos ou os que melhor jogam futebol… não coincidem com os mais felizes… como se para ser feliz fosse preciso ser pobre, miserável e infeliz…
Eu não disse isso. Nem uma coisa nem outra. Entre os pobres, miseráveis e infelizes, uns são felizes e outros não. E entre os ricos e poderosos, também há felizes e infelizes. Isso mostra que a felicidade e a infelicidade vêm de outras coisas, de coisas que estão mais dentro da pessoa.
São questões íntimas e, se investigarmos, descobriremos que são causadas por nós mesmos. Muitas das queixas que temos contra a vida, se nos examinarmos com sinceridade e coragem, percebemos que vêm do nosso estado interior, da angústia por coisas secundárias que nos afastam do projeto principal da nossa vida, do egoísmo. Eles podem vir de se acostumar a ver pequenas derrotas com muito drama; derrotas, aliás, que com o passar do tempo, e vistas no conjunto da vida, podem resultar em vitórias.
Por egoísmo ou orgulho
Quantas vezes passamos por grandes penalidades por mínimos contratempos. Quantas vezes o torcedor de futebol é um homem triste, desanimado e com uma tristeza e um desânimo que dura, talvez por vários dias, porque seu time, que parecia imbatível, perdeu —ou talvez simplesmente empatou— em seu campo com um dos colistas. Ou os pequenos contratempos no escritório, no trabalho, na aula; ou aquelas perturbações familiares que, isoladamente, são vistas como coisas que não são suficientemente sérias para produzir tanta mágoa ou nojo no coração de um homem.
O egoísmo e o orgulho são os grandes inimigos da felicidade. O egoísta vive ensimesmado, embriagado em sua própria contemplação. Viver no egoísmo é como viver numa masmorra: só ouvimos a nossa própria voz, só falamos de nós mesmos, só ouvimos os gritos da nossa própria dor, só captamos a glória da nossa própria vitória pessoal. Qualquer outro interesse é mediado pelo interesse próprio. Ser egoísta é uma vergonha. A generosidade e a felicidade estão intrinsecamente ligadas, assim como o egoísmo e a amargura.
Todos nós, com a nossa capacidade de fazer o bem aos que nos rodeiam, temos um tesouro para partilhar, e se não o entregarmos, perde-se para nós e para os outros. Por isso, buscar a felicidade dos outros é uma das formas mais diretas de alcançar a sua.
Muitas vezes devemos nos perguntar se percebemos o sofrimento dos outros, porque esse é um dos grandes segredos da felicidade: transcender a si mesmo, descobrir o próximo, perceber que ao nosso redor existem homens que sofrem, mesmo que um pouco, mas podemos ajudar um muito.
Pense nos outros, não em você
Qualquer um de nós que não encontre homens sofredores em seu caminho deve pensar se não é um egoísta fechado em si mesmo. A vida está cheia de gente que carece de companhia, carinho, verdade; de pessoas feridas pela traição, por seu próprio coração difícil. Ao nosso redor existem pessoas que precisam de alívio, e seria interessante para cada um de nós ver se ele não se acostumou tanto a se desculpar, a prestar atenção apenas às próprias feridas, que já está tão arraigado no hábito de fazendo um desvio e passando muito, que lhe parece que não há ninguém necessitado ao seu redor.
Você tem que aprender a não viver centrado em si mesmo, a tentar se interessar sinceramente pelo que é dos outros… E se você não sentir interesse sincero, não vai bancar o hipócrita! ?
Ser educado ou pensar nos outros não é ser hipócrita. Se você se acostumar a se preocupar com os outros e tentar ser agradável, e desenvolver sua vida nessas coordenadas, será natural que você seja assim. Esse é o objetivo.
Devemos nos esforçar para ser afáveis. É triste que tantos homens e mulheres façam grandes sacrifícios para poder ficar um pouco melhor em um carro ou terno, ou perder alguns quilos, e ainda assim dificilmente se esforcem para serem legais, o que é gratuito e de efeito muito melhor para outros.
Sair de si
Para ser agradável é preciso sair de si e ser um bom observador dos outros. Todos temos na cabeça a imagem do homem ou da mulher, talvez modestos na aparência e nas qualidades comuns, mas perseverantes na amizade, leais, que contagiam os que os rodeiam com alegria e serenidade. Sua vida aparece como luz, como claridade, como estímulo. Todos nós garantimos que eles estão realmente felizes. E se tentarmos encontrar algo comum a todos eles, podemos descobrir que seu segredo é que eles não estão centrados em si mesmos.
Algo parecido com o que aconteceu com Momo, o pequeno protagonista daquele livro de Michael Ende. Uma moça surgiu um bom dia na vida de umas pessoas simples. Ninguém sabe quem ele é, nem de onde vem, nem nada. Ele vive nas ruínas de um antigo teatro grego ou romano. Mas todo mundo ama a garota. As pessoas perceberam que tiveram muita sorte de conhecer Momo. Ele se torna alguém essencial. Como eles poderiam ter vivido sem ela antes? Ao seu lado qualquer um se sente confortável.
Quando se trata de avaliar sua atratividade, não é fácil dizer que qualidade especial o adorna. Não é que eu seja inteligente. Não. Ele também não profere frases sábias. Não se pode dizer que saiba cantar, dançar ou fazer acrobacias. O que você tem então? O pequeno Momo sabe ouvir, algo que não é tão frequente como às vezes se acredita.
Momo sabe ouvir com atenção e simpatia. Diante dela, pessoas tolas têm ideias inteligentes. Diante dela, o indeciso sabe imediatamente o que quer. A pessoa tímida de repente se sente livre e corajosa. O miserável e sobrecarregado torna-se confiante e alegre. O mais infeliz descobre que é importante para alguém neste mundo. E é que Momo sabe ouvir.
Por: Alfonso Aguilo
Resumo do livro: Momo e o Senhor do Tempo
Momo é um clássico da literatura juvenil escrito por Michael Ende, mais conhecido pela “A História Sem Fim”. É uma fábula urbana, sobre uma menina chamada Momo, que mora nas ruínas de um anfiteatro abandonado na periferia de uma pequena vila. Momo é simples e muito pobre, mas sua vida é rica em amigos. Momo tem um dom: “Saber ouvir as pessoas”. Assim, as pessoas da vila a procuram, pois, nela encontram a paz e a solução de seus problemas, pois ela ouve tanto as pessoas que elas próprias se revelam as verdades e as soluções. As pessoas da vila a adotam e a cuidam em seu humilde lar. Porém, a vida na vila muda drasticamente, quando os homens cinzentos a visitam. Eles ludibriam as pessoas a economizarem tempo, porém na verdade, estão é roubando tempo. Somente Momo não pode ser ludibriada pelas armadilhas de economizar tempo, porque ela gosta de ser quem ela é e ama seus amigos. Eventualmente, todas as pessoas são enganadas pelos homens cinzentos e só Momo pode salvá-los.
O livro trata das dificuldades urbanas da vida, na ótica da simplicidade de uma criança. Uma metáfora que mostra o quanto as pessoas perdem tempo na dedicação extenuante ao trabalho, no ritmo acelerado para fazer as coisas o mais breve possível, ou viverem apenas para ganhar dinheiro, e esquecem de apreciar a vida ou valorizar os amigos, nem que seja por pouco tempo. Uma leitura muito agradável e que faz refletir.