No segundo Domingo da Quaresma, a Palavra de Deus convida-nos a dar mais um passo em direção à Páscoa (à de Jesus e à nossa). Diz-nos que é na obediência radical a Deus e na escuta atenta de Jesus que descobrimos o caminho que nos permite encontrar a Vida em abundância. Neste Domingo Jesus é apresentado como o “Filho amado”, a quem devemos ouvir. No monte Tabor, Cristo revela a sua glória, sendo a plenitude da Lei e dos Profetas.
Jesus nos conduz a vida plena
O Evangelho – Mc 9,2-10 – relata a Transfiguração de Jesus. Marcos, o evangelista, apresenta-nos uma catequese sobre Jesus, o Filho amado de Deus, que vai concretizar o seu projeto libertador em favor dos homens através do dom da vida. Aos discípulos, desanimados e assustados, Jesus diz: o caminho do dom da vida não conduz ao fracasso, mas à Vida plena e definitiva. Segui-o, vós também.
Jesus leva consigo três dos seus discípulos – Pedro, Tiago e João – e sobe a montanha, onde se transfigura diante deles. De repetente, aparecem Moisés – representante da Lei – e Elias – representante dos Profetas – conversando com o Mestre. O diálogo entre os três simboliza que o projeto de Jesus está em sintonia com o Antigo Testamento. A Transfiguração descrita no caminho da Cruz ajudará aos discípulos de sempre a entender que, antes da Luz da Páscoa, todos experimentarão a noite do sofrimento e das crises, mas não sem o “socorro” divino. Na montanha, Jesus aparece glorioso diante dos discípulos.
A montanha parece aludir ao Monte Sinai, local onde Deus se manifestou a Moisés, declarando qual era a sua vontade, a sua Lei. As vestes resplandecentes de Jesus – note-se que em Mateus e em Lucas, o foco não está nas vestes, mas no rosto brilhante – podem aludir tanto às vestes brancas quanto à pele brilhante do rosto de Moisés envolvido pela luz divina (Ex 34,29-35). Tudo isso, mostra a participação de Jesus no “mundo divino”. Apareceu-lhes Elias e Moisés falando com Jesus. Elias – Profetas – e Moisés – Lei –, a “síntese” do Antigo Testamento. É clara a intenção do Evangelista em afirmar que as Escrituras – Lei e Profetas – ensinaram desde sempre qual era o caminho da glória do Messias: a Cruz!
A voz de Deus
Observa-se que na Transfiguração a voz de Deus se dirige aos discípulos! Os dizeres “filho amado” e “escutai o que ele diz” evocam a figura do Messias Servo, anunciada pelo profeta Isaías (Is 42,1) e aludem à promessa de Dt 18,15: o surgimento de um profeta e mestre maior que Moisés.
Na primeira leitura – Gn 22,1-2.9a.10-13.15-18 – apresenta-se a figura de Abraão como paradigma do crente. Abraão é o homem de fé inabalável, que vive numa constante escuta de Deus, que aceita os apelos de Deus e que lhes responde com a obediência total. Essa “entrega” a Deus é fonte de Vida e de bênção. Mirando o exemplo dos povos vizinhos que sacrificavam os primogênitos aos deuses, Abraão está disposto a sacrificar o próprio filho. É, porém, impedido por Deus, que quer a vida e não a morte de seus filhos e filhas. A proposta subjacente ao texto é o fim da prática dos sacrifícios humanos. Deus quer, em vez disso, a valorização de cada pessoa humana.
Transfiguração e o sinal da vitória
A transfiguração é como que uma antecipação a sua ressurreição e é sinal da vitória do projeto de Jesus. Na cena, Moisés e Elias representam o Antigo Testamento. A sugestão de Pedro é uma tentativa de fugir da cruz, ao passo que a transfiguração mostra que a cruz e a glória andam juntas. Para compreender essa realidade, é necessário ouvir a voz de Deus, que proclama Jesus seu Filho amado e querido.
A segunda leitura – Rm 8,31b-34 – lembra aos batizados que Deus os ama com um amor imenso e eterno. No entanto, a melhor prova desse amor é Jesus Cristo, o Filho amado de Deus que morreu para ensinar ao homem o caminho da vida verdadeira. Sendo assim, o cristão nada tem a temer e deve enfrentar a vida com serenidade e esperança. Contrário à vontade divina, o sacrifício de Jesus foi uma consequência de sua fidelidade ao Pai. Por essa fidelidade e por amor à humanidade, Cristo oferece a vida. O Deus que não quer sacrifícios humanos oferece a si mesmo como sacrifício na pessoa de seu Filho. Ninguém poderá nos separar do amor de Cristo por nós; cabe a cada um acolher esse amor.
Convidados e sermos transfigurados
Lembro de que a Campanha da Fraternidade 2024 é a expressão da Igreja que abre o seu coração à transformação que Cristo quer realizar por meio da penitência e da prática do amor fraterno! Neste domingo, somos convidados a nos transfigurarmos e a transfigurar a realidade que estamos envolvidos. Subir a montanha e fazer a experiência com o Transfigurado ilumina nossa visão a respeito de quem é Jesus. Ajuda-nos a superar as imagens falsas que temos dele. Ele nos revela um Pai que ama sem limites.
É à partir da experiência com ele, no alto da montanha, que entendemos o sentido de nossa vida. Vida que é dom a ser posto a serviço do bem comum do próximo. Vida que, frequentemente, precisa passar pela cruz pela chegar à glória. A tentação que nos acompanha é chegar à Páscoa sem atravessar a semana da paixão; contudo, só chegaremos à Páscoa depois de passar pela Sexta-feira Santa. Por isso a fé nos capacita para vivermos efetivamente a amizade social, uma vez que somos todos irmãos e irmãs.
+ Anuar Battisti
Arcebispo Emérito de Maringá, PR