Este é o meu Filho muito amado: Escutai-o!

Material para catequese
Material para catequese

Para compreendermos o que Senhor nos quer dizer neste 2º Domingo da Quaresma, com as leituras da sua santa Palavra, é necessário recordar que estamos no caminho quaresmal e que este caminho, que nos leva à luz da celebração pascal, é imagem do próprio caminhar nosso neste mundo: caminho por entre trevas e luzes, crises e bonanças, momentos de profunda dor e de grande consolação. No caminho da Quaresma, como naquele outro, da vida, o Senhor nos educa, nos prova, nos consola, nos conforma à sua cruz e nos prepara para participar da sua gloriosa Ressurreição.

A primeira leitura (Gn 15, 5-12.17-18) vai mostrar a confirmação da promessa feita por Deus a nosso Pai na Fé, Abrão.  Deus faz a Abrão uma promessa impensável aos olhos humanos: a de que ele teria uma descendência numerosa como as estrelas do céu, sendo ele de idade avançada e que teria como posse uma imensidão de terra que ele não conseguia alcançar com o seu olhar. Antes desta passagem, essa promessa havia sido feita por Deus a Abrão por três vezes. Como a promessa parecia tardar em se cumprir e pelas adversidades que Abrão havia passado, como nos conta o relato Bíblico, Deus mais uma vez manifesta a Abrão sua promessa para que ele não desanime em seu caminho. Abrão então dá uma resposta de Fé ante as lutas e a promessa que parece impossível. A Fé de Abrão é a confiança numa promessa humanamente irrealizável, e Deus lhe reconhece este mérito, reconhecendo sua retidão e submissão. Esta fé se manifesta em uma ação prática, que é a oferta do sacrifício. Ante uma Fé em meio às dificuldades e que se manifesta em obras, Deus faz mais uma promessa, e assim termina a passagem.

O salmo de resposta (Sal 26/27): um grande grito de confiança e de proclamação do senhor como Luz: O senhor é minha Luz e Salvação. Neste salmo encontramos uma proclamação da segurança encontrada em Deus e também uma súplica ardente pedindo sua intervenção. O salmista, antes de apresentar a súplica em momento de luta, pedindo que o Senhor escute a voz do seu apelo proclama sua confiança em Deus. O salmo termina com uma exortação á confiança: Espera no Senhor e tem coragem. Os que esperam no Senhor renovarão as suas forças.

Em seguida, as palavras de Paulo aos Filipenses (Fl 3, 17-4,1) apresentam também um convite a permanecer firmes no Senhor. Mas este convite, apresentado ao final da passagem, vem precedido de uma exortação firme de Paulo sobre aqueles que se comportam como inimigos da Cruz de Cristo. Se a Cruz de Cristo é sinal de entrega e doação ao outro, os inimigos da cruz de Cristo se apresentam como aqueles que só buscam a si mesmos e a satisfação de suas necessidades. O início da passagem, que vem com um convite de Paulo a que a comunidade de Filipos sejam imitadores dele, vem exatamente após ele ter se mostrado como alguém que em muitos momentos, aceitou de bom grado os sofrimentos por amor a Cristo. Os cidadãos do céu são aqueles que caminham entre as coisas que passam, abraçando as que não passam. O caminho da cruz, embora um caminho árduo, é caminho seguro de libertação.

O Evangelho deste Domingo (Lc 9, 28b-36) mostra o Senhor que leva Pedro, Tiago e João ao monte para orar e se transfigura diante deles. É neste ambiente de intimidade com o Pai que Jesus manifesta a sua Glória. Pedro, Tiago e João serão os três discípulos que o acompanharão em sua agonia no Getsêmani. O Monte, por várias vezes na Escritura, é apresentado como lugar privilegiado de encontro com Deus. Moisés e Elias, representando a Lei e Os Profetas, indicam que todo o Antigo Testamento aponta para a figura de Cristo.

 Por um instante, Jesus mostra sua Glória Divina, confirmando a confissão de Pedro, apresentada alguns versículos antes. O anúncio da cruz feito também um pouco antes, não é o momento final: é somente um passo necessário para a Glória. Para entrar em sua Glória, é necessário passar primeiro pela cruz em Jerusalém. Moisés e Elias tinham visto a Glória de Deus no Monte. A lei e os Profetas tinham anunciado os sofrimentos do Messias. A Paixão de Cristo é a vontade do Pai: O Filho atua como o Servo de Deus. A Nuvem indica a presença do Espírito Santo; aparece toda a Trindade: O Pai na voz, O Filho no Homem Jesus, o Espírito Santo na nuvem.

Moisés é o homem do “êxodo”. Jesus é o novo Moisés. Ele refaz a história do povo hebreu. Foi tentado no deserto, mas resistiu ao tentador (enquanto o povo hebreu no deserto se revoltou contra Deus). Agora ele vai levar a termo essa caminhada. Logo mais se dirigirá resolutamente a Jerusalém (Lc 9,51). Lá celebrará a nova Páscoa e a nova Aliança (22,15.20). Lá ele tornará livre, por sua palavra da verdade e pelo sacrifício de si mesmo, o novo povo de Deus.

E há, também, Elias, Jesus é também o novo Elias: como este, Jesus viveu quarenta dias no deserto e fez milagres muito semelhante (o filho da viúva, Lc 7,11-17). Elias teve de fazer seu “êxodo” fugindo da rainha Jezabel por causa de sua fidelidade a Deus (1 Reis 19,1-3). Assim, como Elias foi arrebatado por Deus, Jesus subiu aos céus (Lc 9,51;24,51; cf. 2Rs 2,1; Sr 48,1.9). E, como se espera Elias para inaugurar o tempo final e preparar o julgamento de Deus (Ml 3,23-24; Sr 49,10), pode-se também dizer que Jesus é este Elias do tempo final. (Mt e Mc tendem antes a identificar João Batista com Elias).

Lucas anota que durante a transfiguração de Jesus enquanto dialogava com Moisés e Elias, Pedro e seus companheiros tinham dormindo. Por isso, não souberam nada do que foi dito. Quando despertaram, viram os dois personagens com Jesus transfigurado. Quando os dois começavam a se afastar, Pedro propôs construir três “tendas” – isso é, moradas de nômades, como a Tenda de Deus no êxodo, para que essa presença gloriosa pudesse continuar. Achou bom demais estarem assim! Mas a nuvem, símbolo da presença divina, tirou-os de como no tempo de Moisés, no deserto (Ex 19,16, etc). E, de fato, da nuvem sai uma voz declarando a respeito de Jesus: “Este é meu Filho o eleito: escutai-o”.

De repente, terminou a visão. Encontravam-se sós. E não falaram disso, naqueles dias. Só depois. O que significa tudo isso? Significa que, durante a vida de Jesus, quando ele iniciou seu “êxodo” rumo a Jerusalém, eles perceberam nele algo de Deus, mas não o entenderam (dormiram no ponto). Nem o publicaram. Só depois da Páscoa, depois da ascensão de Jesus, é que vão compreender e proclamar.

Nas provações recordemo-nos da glória de Jesus, ou seja, daquilo que nos espera; que Jesus está sempre presente com aquela glória para nos dar força. E durante a vida inteira, escutai Jesus, o que nos diz Jesus: Ele fala-nos sempre no Evangelho, na liturgia, ou então no coração.

Na vida quotidiana talvez tenhamos problemas ou devamos resolver muitas questões. Façamos esta pergunta: o que me diz Jesus hoje? E procuremos ouvir a voz de Jesus, a inspiração de dentro. E assim sigamos o conselho do Pai: “Este é o meu Filho muito amado. Escutai-o!”. Nossa Senhora dar-nos-á o segundo conselho, em Caná da Galileia, quando se verifica o milagre da água transformada em vinho. O que diz Nossa Senhora? «Fazei aquilo que Ele vos disser». Ouvir Jesus e fazer aquilo que Ele diz: este é o caminho certo. Avançar com a recordação da glória de Jesus, com este conselho: ouvir Jesus e fazer o que Ele nos diz! Eis a mensagem clara: como Abraão, que somente viu a glória de Deus no meio da noite depois da vigília e da provação, como Moisés e Elias, que somente viram o resplendor da glória do Senhor após o combate e a penitência, assim também nós, se quisermos de verdade ser inundados da glória pascal, devemos combater o combate quaresmal. O combate da Quaresma, este é o combate da vida: passar da imagem do homem velho, com seus velhos raciocínios e sentimentos, ao homem novo, imagem do Cristo glorioso.

Orani João, Cardeal Tempesta, O. Cist.

Arcebispo Metropolitano de São Sebastião do Rio de Janeiro, RJ