O tema da oração vai nortear o trecho evangélico proclamado na celebração eucarística da vigésima nona semana do tempo comum. São Lucas, de fato, desenvolve ao longo do seu evangelho uma verdadeira catequese sobre o diálogo entre Deus e o homem. Particularmente, em Lc 18,1-18, ele trabalha a questão do imperativo da oração na vida dos seus seguidores – “Jesus contou aos discípulos uma parábola, para mostrar-lhes a necessidade de rezar sempre, e nunca desistir” (Lc 18,1). Ao longo do tempo, a Igreja, fazendo eco deste ensinamento da fé, repropõe às pessoas o valor da perseverança na oração.
A necessidade e a perseverança na oração aparecem em algumas passagens do terceiro evangelho. Em Lc 11,5-9, o Senhor conta uma parábola na qual um amigo perturba um outro pedindo-lhe pão para um hóspede – “Também eu vos digo: pedi e vos será dado; buscai e achareis; batei e vos será aberto” (v.9). Em Lc 21,34-36, Jesus pede uma postura de vigilância e oração constante em preparação à sua segunda vinda – “Ficai acordados, portanto, orando em todo momento, para terdes a força de escapar de tudo que deve acontecer e de ficar de pé diante do Filho do Homem” (v.36). Junto com o texto deste domingo, percebemos uma mesma ideia que vai se impondo: a oração deve ser uma constante na vida dos discípulos de Jesus.
Entre os versículos 2 e 6, o texto narra uma parábola e, depois, até o versículo 8, um ensinamento conclusivo sobre a oração. A parábola é muito clara: uma viúva – figura, por um lado, preferida por Deus nos preceitos do Primeiro Testamento (cf. Ex 22,20-23) e, por outro, tão carente no contexto social palestinense do século I – pede, com perseverança diária, algo justo para um juiz – descrito como negligente em seu relacionamento com Deus e com o próximo – que a atende a fim de se livrar de suas obstinadas reclamações: “Eu não temo a Deus, e não respeito homem algum. Mas esta viúva já me está aborrecendo. Vou fazer-lhe justiça, para que ela não venha a agredir-me!” (v. 4-5).
A insistência cotidiana da viúva representa a postura esperada dos discípulos de Jesus. É, na verdade, uma imagem para significar a perseverança, a busca contínua, o desejo de ser atendido. Todavia, diferente do juiz iníquo da parábola, Deus Pai, revelado pelo Filho, é misericordioso, bondoso e providente: “E Deus, não fará justiça aos seus escolhidos, que dia e noite gritam por ele? Será que vai fazê-los esperar? Eu vos digo que Deus lhes fará justiça bem depressa” (Lc 18,7). Por isso, não podemos pensar que a oração seja um “constrangimento”, uma “barganha” ou até “um convencimento”. Isso seria projetar a imagem do juiz para o Pai e relativizar a conclusão retirada por Jesus.
Não só o destinatário da nossa oração pode ser comprometido pela nossa visão equivocada, mas também o próprio conteúdo dela. O que devemos pedir a Deus? A viúva da parábola queria justiça – “Faze-me justiça contra o meu adversário” (v.3) – e o juiz agiu nesta direção – “Vou fazer-lhe justiça” (v.5). Através da imagem da justiça humana, descobrimos que o conteúdo da nossa oração é a justiça divina. Ora, a nossa insistência em nosso diálogo com Deus não deve recair sobre nosso egoísmo e egocentrismo, mas deve se abrir para a vontade divina – a sua descoberta, a sua aceitação e a sua realização: “Pai, se queres, afasta de mim este cálice! Contudo, não a minha vontade, mas a tua seja feita!” (Lc 22,42).
O texto evangélico deste domingo nos permite aprofundar nossa experiência de oração, aproximando-a cada vez mais daquela testemunhada na vida de Jesus e consignada pelas primeiras testemunhas. Como aquela viúva, amada por Deus, somos convocados a rezar sempre e insistentemente voltados não para um juiz iníquo, mas para um Pai amoroso e compassivo, dispostos a reconhecer e a realizar a sua vontade na nossa vida – tarefa, muitas vezes, tão difícil e empenhativa.
Padre Vitor Gino Finelon
Professor das Escolas de Fé e Catequese Mater Ecclesiae e Luz e Vida