A vida prazerosa dos dias modernos já não distingue aquilo que é supérfluo daquilo que é essencial para uma vida digna. Fomos engolidos pelo vício do consumo. Tudo o que se necessita para bem viver está nas gôndolas do mercado ou nas passarelas do exibicionismo e da ostentação sem limites.
Há muito que o sentido da posse se sobrepõe à simplicidade de uma vida mais afeita às pequenas alegrias do dia-a-dia. Como se os bens materiais, o status, as baboseiras da moda, do consumismo, do supérfluo pudessem suplantar as verdadeiras riquezas que nos realizam plenamente.
Estamos empanturrados com guloseimas coloridas que a sociedade de consumo nos enfia goela abaixo, diuturnamente, sem, no entanto, proporcionar a saciedade que nosso coração exige. O supérfluo intoxica e engorda a ambição, mas entorpece nossa famélica alma, prisioneira que está dentre as quinquilharias de uma sociedade consumista por excelência. Perdemos o referencial da verdadeira riqueza, aquela que dá sentido à nossa vida.
‘Recentemente, papa Francisco comentou: “Por que comprar um relógio caro, quando aquele mais simples e barato marca as horas da mesma maneira”? Por que gastar mais com um produto de marca, quando o similar é tão eficiente quanto o outro? Por que um caixão de luxo, quando debaixo da terra seremos pó como qualquer indigente enterrado em simples mortalha?E assim por diante.
A verdade é que o sentido de riqueza terrena, de competitividade social, de posse e poder estão cegando a vida humana, onde aquele que tem mais se acha superior, merecedor de distinções e exige ser respeitado e venerado na proporção dos bens que amealhou. Já não enxerga o ridículo da própria existência.
Seu coração e sua mente estão aprisionados pela fixação no ter, no prazer… Desconhecem a simplicidade e a beleza do ser, contemplar, agradecer pelo privilégio da vida. Uma vítima das últimas enchentes em São Paulo perdeu tudo o que tinha – casa, roupas, alimentos (uma das filhas perdeu um pé), mas ainda dava graças a Deus por não perder sua maior riqueza, a vida. “Posso recomeçar do zero”, dizia com a alma em júbilo.
Já uma história que me parece fictícia, mas bem ilustrativa, nos fala de um pai rico, dono de inestimável fortuna e poderes políticos, que resolveu levar seu filho único para conhecer o mundo dos pobres. Levou-o a uma comunidade bem carente, desejando que seu filho pudesse descobrir o quão triste é a vida dos empobrecidos e assim dar maior valor à própria riqueza. Um dia depois, foi buscá-lo. Perguntou de imediato: “Aprendeu, meu filho, a diferença entre pobres e ricos?”.
O filho foi logo dizendo: “Sim, meu pai, hoje descobri o valor da riqueza verdadeira, porque enquanto vivo prisioneiro na nossa mansão, dentro de um mirrado jardim, eles têm uma floresta inteira para explorar; enquanto tenho um quarto só para mim, que depende de complicados sistemas de iluminação e ventilação, eles tem a brisa refrescante da natureza e a luz da lua, das estrelas a iluminar suas vidas; enquanto dependo de tecnologia para ouvir boa música, eles ouvem o canto dos pássaros e os sons dos répteis na lagoa; enquanto me alimento com enlatados e produtos industrializados, eles colhem frutos nos pés… Sim, pai, hoje percebi o quão pobres somos!
Saudades do café moído na hora, da carne conservada em gordura animal, do leite gordo e cru bebido na caneca da mangueira, do queijo depurado no estaleiro do alpendre, da água pura na mina, da alface, do agrião, da batata doce sem agrotóxicos! Saudades da simplicidade, da pureza cabocla, da riqueza sem ostentação… Dias felizes, sem os grilhões da modernidade!
Deixemos o que nos é supérfluo, mas busquemos o essencial. “Pois não trouxemos nada para o mundo, e dele nada poderemos levar. Se temos o que comer e com que nos vestir, fiquemos contentes com isso. Aqueles, porém, que querem tornar-se ricos, caem na armadilha da tentação e em muitos desejos insensatos e perniciosos, que fazem os homens afundarem na ruína e perdição” (1 Tim 6, 7-9). Lembrem-se: o essencial é invisível aos olhos… da alma justa.