Negritude e consciência
Se você vai desistir dessa leitura, baseado apenas no título espere um pouco, continue. Não é desse tema conflituoso e por demais contraditório que desejo falar, mas de algo muito mais construtivo que a abordagem de um assunto cuja data comemorativa nada tem para se comemorar. A negritude da data é exatamente isso, falta de consciência, de clarividência, de visão sem demagogia. A consciência nos aponta erros. A clarividência amplia nossos horizontes e nos faz enxergar com a plenitude da consciência sã. Já a demagogia nos ensina a falar, agir ou mesmo nos omitir com a falsidade de nossas ações “pra inglês ver”.
Nada se constrói de bom quando trabalhado superficialmente, às pressas, no afã de um ideário politicamente correto, como bem definimos hoje tantas e tantas ações socialmente defendidas, mas nunca assimiladas individualmente. Dizer, por exemplo, que nosso país não tolera preconceitos, racismos ou outras balelas, é uma tremenda mentira. Sabemos disso. Mas também ter essa consciência e cruzar os braços é covardia. As raízes dessas questões estão bem lacradas no íntimo de cada um, ou seja, na própria consciência. Assumir essa ou aquela identidade, defender esse ou aquele argumento, seguir essa ou aquela opção social ou religiosa, ser contra isso e a favor daquilo, vai de uma faculdade meramente particular, individual, a liberdade de escolha que rege nossas ações. Se ainda existem divisões racistas, classistas, de crenças, de sexo…, estas pertencem unicamente às escolhas que fazemos. E toda e qualquer escolha é feita livremente.
Esta é a razão das nossas divisões, a consciência. Se esta for negra, vivenciar a negritude de atos preconceituosos, de separação de raças e credos, de acordo com o clã ou o grupo social do qual faz parte, em nada alterará sua maneira de pensar, de agir. Percebe o contraditório da data, da comemoração forçada a que ela nos submete? Não há porque elitizar ou defender um único povo, quando somos membros de uma única raça. Então soaria mais humano se esta comemoração se denominasse Dia da Consciência Humana. Dar-se-ia maiores passos para uma celebração genuinamente fraterna, de congratulações universais, de comemoração ao dom da vida, aos valores mais intrínsecos da raça humana. Deixaríamos de lado as separações ainda absurdas de uma raça que se vê pela cor dos olhos, pela tez branca, amarela, negra ou parda, pela beleza embutida no cabelo encaracolado, pixaim ou loiro, ou mesmo a negritude presente nas cabeleiras vastas e brilhantes de nossos indígenas ou asiáticos. A beleza é dom humano, independentemente de suas raças ou etnias. Todos somos belos diante de Deus, pois este olhou-nos na origem e “viu que tudo era belo, era bom”.
A consciência desse “belo” vai da pureza de nossos corações. Quem ama não enxerga defeitos, não olha só o exterior, mas interioriza seus sentimentos com respeito e afeição. Isso se chama fraternidade, o sentimento quase em desuso entre os povos. Essa é a consciência que nos falta. Uma data para se celebrar não nossas diferenças, mas o que de comum ainda temos seria a mais bela tomada de consciência da nossa irmandade enquanto raça, enquanto filhos de um único Pai. Pior do que estigmatizar uma única raça, pedindo-lhes respeito, temos antes que reconhecer a negritude das nossas almas, mesmo quando ocupantes belos e portentosos corpos negros. Ou a pureza das almas que dominam a inocência e ingenuidade de muitos negros. Nossa negritude está na cabeça, não na pele. Na consciência.