As oportunidades que a vida nos proporciona, podem acontecer uma única vez. Aproveite antes que se torne uma abóbora.
Sei que muitos irão traçar vistas sobre esses escritos apenas pelo inusitado do título. Vou, pois, desvendando esse mistério. Pensei também em titulá-lo como Os sapatinhos de Cinderela. Mas assim ficaria muito infantil e restringiria meu público alvo. Fique, pois, como está. Aliás, é bom que o leitor sinta o drama de quem escreve, para tão somente ser lido, ou simplesmente ter a atenção, mesmo que passageira, sobre seu esforço de comunicar-se. Essa é a razão primeira desse malabarismo todo. Fisgar meus peixes, encontrar alguém que se apeteça com minhas iscas, artificiais, naturais ou engenhosas, como o título acima. Se você chegou até aqui, considere-se minha presa…
A história não é de todo nova, nem possuo direitos de usá-la sem menção ao autor. Mas vamos lá. Quem nunca leu, ouviu ou assistiu à maravilhosa fábula da menina Cinderela, aquela mesma dos sapatinhos de cristais, a rodopiar num salão de bailes nos braços de seu príncipe encantado? Ah, lembrou-se! Esse clássico da literatura infanto juvenil nos mostra meandros e artifícios de um romance proibido, inconcebível pela sociedade – não só daquela época – de todos os tempos, culturas e povos, onde o desfavorecido, o pequeno, não se mescla com o nobre, a família mais abastada, dominante. Velhos conflitos de sempre. Mas o Amor fala mais alto e uma fada miraculosa está sempre atenta aos meandros do mais nobre sentimento humano, colocando-o acima da mesquinhez social. Então a história realiza o milagre, a possibilidade de uma dança ao som de valsas. São estas as idílicas oportunidades que a vida nos proporciona uma única vez.
Não me atenho ao sapatinho perdido. Chama-me mais a atenção aquela carruagem vistosa, instrumento de aproximação entre o príncipe e sua futura princesa. Vejam só: era uma abóbora! O encanto do encontro a fez instrumento de um sonho: uma bela e majestosa carruagem, ornada de ouro, adornada de sedas, tracionada por animais puro sangue. Quem, ocupando tão preciso meio de transporte não mereceria exclamações ou não causaria estupefações por onde transitasse? Mas a bela carruagem só exerceria sua função enquanto os ponteiros do relógio mensurarem as horas apenas daquele dia tão ditoso. Após a meia noite, no dia seguinte, voltaria a ser simples e singela abóbora. Uma abóbora sem graça, amarelada, endurecida pelo tempo. A carruagem dourada não passava de uma abóbora madura!
Chegamos ao ponto: no baile da vida as ilusões bailam conosco. Ainda há pouco ouvia o ronco de muitas cilindradas dessas modernas carruagens que nos tiram o sono atualmente. Outra Cinderela a caminho de novas ilusões – pensei. Que as “princesinhas” dos nossos dias possam me ouvir! Não se atenham, meninas, ao estereotipo de uma promessa, ao encanto das aparências, às luzes da Ribalta social. A carruagem que a transporta ilusoriamente pode se desintegrar na aurora seguinte. Nesse conto de fada dos dias atuais a magia das ilusões está revelando apenas a verdade que endurece as relações humanas: as aparências turvam nossas vistas. Cuidado, menina! “Não procures o que é elevado demais para ti, não procures penetrar o que está acima de ti (Ecle 3, 22)”. Porque muitas ciladas batem à porta dos corações incautos, ingênuos e sonhadores, como os das muitas princesas dos nossos dias, que se deixam transportar por carruagens douradas e quebram antes da hora seus sapatinhos de cristais… Impedem a aproximação e a descoberta de seus respectivos príncipes. “O coração empedernido acabará por ser infeliz. Quem ama o perigo nele perecerá (Ecle 3,27)”.