Segundo a tradição do Primeiro Testamento, a Moisés, na montanha, foi atribuída a Lei, a qual, usada como instrumento de favorecimento das elites religiosas e econômicas, se tornou extremamente opressora e excludente do povo. Os trabalhadores empobrecidos, em condições precárias de vida, não tinham como observar os inúmeros preceitos da Lei, sendo considerados “pecadores”, e ficavam em débito com os códigos de purificação a serem cumpridos no Templo de Jerusalém, mediante ofertas e sacrifícios. Por outro lado, as elites religiosas e econômicas vinculadas ao Templo e às sinagogas, cumprindo esses códigos, julgavam-se “puras”, “justas” e “santas”.
Agora, na montanha (cf Mt 5,1-12a), Jesus proclama as bem-aventuranças como o caminho da libertação e do amor, para ser o fermento da transformação do mundo. As bem-aventuranças não têm o mesmo caráter que os mandamentos. Elas são um convite e uma proposta de vida nova, na prática da justiça que conduz à paz. Priorizando o direito à vida plena, conforme a vontade do Pai, Jesus empenha-se em remover as cadeias da lei injusta e opressora. Realiza-se o anúncio de Maria em seu cântico por ocasião da visita a sua prima Isabel, ambas grávidas”(Deus) agiu com a força de seu braço, dispersou os homens de coração orgulhoso. Depôs os poderosos de seus tronos e exaltou os humildes. Cumulou de bens os famintos e despediu os ricos de mãos vazias”. São Lucas, no seu Evangelho, apresenta quatro bem-aventuranças para os pobres em contraste com as quatro lamentações sobre os ricos. A esperteza, a ambição da riqueza, a sede do poder na acumulação de bens, que são a “sabedoria” deste mundo, representam na realidade loucura e perdição diante de Deus; por sua vez os pobres que se reúnem fraternalmente nas comunidades dos discípulos de Jesus, encontram a vida em abundância, em comunhão com Deus.
Os pobres descobrem seu espaço nas novas comunidades onde se vive a partilha. Os que choram passam a sorrir no novo convívio fraterno. Os mansos cativam os corações aproximando-os entre si. Os que têm fome e sede de justiça clamam e questionam a sociedade opressora, exploradora e excludente, empenhando-se na construção de uma nova sociedade, justa e fraterna. Os misericordiosos, cheios de compaixão, libertam aqueles que têm a consciência carregada de culpabilidade, moldada sob a ideologia do sistema opressor. Os de coração puro são sensível a tudo o que há de bom e digno nos irmãos, valorizando cada um, sem nenhuma discriminação. Os pacíficos se comprometem na construção de um mundo livre da ambição e da violência daqueles que, seduzidos pela acumulação de riquezas, fazem a guerra e tiram o alimento dos pobres para transformá-lo em armas de destruição maciça.
A prática libertadora do amor subverte a ordem dos ricos poderosos e violentos. Quem assume essa prática fica sob a ameaça da perseguição e da difamação. E muitos foram os que tiveram a vida imolada por sua solidariedade com os empobrecidos, humilhados e explorados. Porém, a alegria de unir sua vida com a vida de todos, em comunhão com o Pai é eterna.