O tema central da liturgia deste domingo convida-nos a refletir sobre esta questão: aquilo que nos enche o coração e que nós testemunhamos é a verdade de Jesus, ou são os nossos interesses e os nossos critérios egoístas?
O Evangelho(cf. Lc 6,39-45) dá-nos os critérios para discernir o verdadeiro do falso “mestre”: o verdadeiro “mestre” é aquele que apenas apresenta a proposta de Jesus gerando, com o seu testemunho, comunhão, união, fraternidade, amor; o falso “mestre”, ao contrário, é aquele que manifesta intolerância, hipocrisia, autoritarismo e cujo testemunho gera divisões e confusões: o seu anúncio não tem nada a ver com o de Jesus.
Jesus, no Sermão da Planície (cf. Lc 6), à comunicação de uma sabedoria do dia a dia. Assim, Jesus se mostra herdeiro da tradição encontrada nos livros sapienciais do Antigo Testamento. Esta tradição nos ensina como viver bem conosco e com nosso próximo durante o nosso tempo que peregrinamos neste mundo, e como viver esses relacionamentos como expressão de uma reverência profunda para com Deus – o Temor do Senhor que é o próprio início da sabedoria (Sl 110,10). Quem deseja entra na vida eterna tem que aprender como viver bem no meio das realidades que nos circundam na vida presente. Um dos grandes desafios de nossa vida interpessoal é como orientar o nosso próximo quando ele se afasta da verdade. Por um lado, corrigir um próximo que se desvia do bom caminho é um bom dever. Se alguém tem um pecado, devemos chamar a pessoa para conversar e avisá-la na caridade a mudar o seu caminho.
Agora, muitas vezes, os hipócritas, e temos muitos hipócritas dentro da Igreja infelizmente, que vivem de falsidades e de aparências diabólicas, cujo o desejo de correção é impuro. Em vez de proceder de uma intenção amorosa, tem na correção um desejo de parecer superior ao outro, ou numa tendência de criticar e sempre encontrar o imperfeito naqueles com quem convivemos.
O cisco no olho do próximo – a sua imperfeição – pode nos incomodar, a tal ponto de que nos sentimos impelidos a chamar-lhe a atenção, e às vezes o fazemos sem jeito. Então, corrigir ou não corrigir? Jesus, no Evangelho, nos dá o critério de discernimento: “Tira primeiro a trave que está no teu olho e, então, enxergarás bem para tirar o cisco do olho do teu irmão” (cf. Lc 6,42).
Em tempos de transparência e integridade, tão urgentes dentro e fora da Igreja, vamos examinar a nós mesmos, em primeiro lugar, para identificar qual é o critério que usamos para fazer uma correção, que seja fraterna e que quer a conversão do que peca e erra e não a sua morte completa.
Muitas correções vêm marcadas de ódio para com o outro, viciadas de vingança. Será que ao criticar uma falha pequena no outro quem critica não está fugindo do problema que esconde em sua própria vida. Eu conheço uma pessoa que não desiste, desde que assumiu seu atual ofício eclesiástico, em caluniar, perseguir uma pessoa que sempre fez sombra para esta autoridade e a incomodava pela sua superioridade intelectual. Puro ódio, inveja e disputa de poder, incompatível com o ministério ordenado. Essa pessoa continua doente, sem cura, porque vive a hipocrisia da maldade desmedida.
Por isso Jesus propõe um segundo autoexame de consciência no Evangelho de hoje: antes da falar, veja o estado do seu coração. As suas palavras serão o reflexo do seu estado interior; serão os frutos de sua árvore interior. Se seu coração está saudável, suas palavras também o serão; se o seu coração está num estado ruim, também, as suas palavras: “Pois a boca fala daquilo de que o coração está cheio” (cf. Lc 6,42).
A primeira leitura (cf. Eclo 27,5-8), na mesma linha, dá um conselho muito prático, mas muito útil: não julguemos as pessoas pela primeira impressão ou por atitudes mais ou menos teatrais: deixemo-las falar, pois as palavras revelam a verdade ou a mentira que há em cada coração.
A segunda leitura (cf. 1Cor 15,54-58) não tem, aparentemente, muito a ver com esta temática: é a conclusão da catequese de Paulo aos coríntios sobre a ressurreição. No entanto, podemos dizer que viver e testemunhar com verdade, sinceridade e coerência a proposta de Jesus é o caminho necessário para essa vida plena que Deus nos reserva. Do nosso anúncio sincero de Jesus, nasce essa comunidade de Homens Novos que é anúncio do tempo escatológico e da vida que nos espera.
+ Eurico dos Santos VelosoArcebispo Emérito de Juiz de Fora, MG